São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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33ª MOSTRA DE SP

Crítica/"A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas'/"Carmel"

Amos Gitai perde vigor do passado

Em duas novas produções, diretor retoma questões e história israelita com olhar conservador

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Os "travellings" laterais continuam elegantes. Mas é possível perguntar se o cinema de Amos Gitai não terá chegado a um ponto de saturação em que a precisão de alguns anos atrás dá lugar, cada vez mais, à retórica?
Pois assim parecem as coisas em "A Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas", adaptação teatral do texto histórico de Flavius Josephus sobre a tomada da Galileia pelos romanos no ano 70 a.C. Relato de enorme beleza sobre o momento crucial em que os judeus perdem sua autonomia, que o próprio Gitai encenou no Festival de Avignon (França).
Transposta para o cinema, a mise-en-scène teatral parece um tanto grandiloquente e as grandes estruturas de ferro montadas para a ocasião enfatizam o caráter épico do momento bem menos do que o esforço da própria direção.
Em "A Guerra dos Filhos..." encontram-se os mesmos ecos do passado sobre o presente que surgem em "Carmel": a trágica história israelita rebate sobre cada gesto, torna-o uma interrogação angustiante. Aqui, Gitai procede a uma espécie de colagem em que se encontram desde a invasão romana (representada de outra maneira que não a da peça) até os dias atuais.
Lá estão os pais de Amos (pioneiros do Estado de Israel), seu filho preparado para a guerra, o próprio Amos orientando um ator que fará seu papel (de soldado, na guerra de 1973, quando estava num helicóptero acidentado), fotos de família e de infância, a mãe em filmes familiares etc.
"Carmel" aproxima a história pessoal da coletiva e faz o retrato de um Amos Gitai mais sensibilizado pela infausta história dos judeus desde a perda da autonomia, no século 1º a.C., do que habitualmente. Mais angustiado, digamos logo (o que ocorre também na filmagem da peça teatral). Existe lugar, claro, para os rumos de Israel. Seus pais mesmo vêm de uma experiência de esquerda, laica, bem contraditória com opções políticas mais recentes.
No entanto, parece se notar menos espaço para diálogo com os árabes, ambição de várias obras passadas do diretor israelense (mas não de "Um Dia Você Compreenderá", exibido na Mostra de 2008). É uma conversa mais íntima desta vez: Amos, sua família, seu passado, seu país, seu povo. A extensão pode ser grande, mas a natureza do diálogo é a mesma.
Voltando ao início: não é o assunto, nem a natureza do diálogo, nem mesmo as posições políticas o que tende a indicar uma inflexão conservadora no trabalho do diretor: são os procedimentos, os "travellings", em suma, o olhar que parece se tornar um pouco acostumado demais ao problema que, com razão, escolheu como seu. Se olharmos para seus filmes de uma ou duas décadas atrás, não encontramos nos de hoje o mesmo vigor. Às vezes, é preciso sair de si mesmo com força.


A GUERRA DOS FILHOS DA LUZ CONTRA OS FILHOS DAS TREVAS

Quando: hoje, às 17h50, e dia 5, às 20h20, no Unibanco Arteplex

CARMEL

Quando: hoje, às 15h50, no Unibanco Arteplex
Classificação: 14 anos (ambos)
Avaliação: bom (ambos)


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