São Paulo, quinta-feira, 01 de dezembro de 2005

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Glover se emociona ao assistir a filme de Kátia Lund

THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

De passagem por São Paulo, o ator Danny Glover, 59, assistiu anteontem a uma sessão fechada do filme "Todas as Crianças Invisíveis", reunião de curtas de cineastas como Spike Lee, John Woo e Emir Kusturica sobre crianças de todo o mundo que vivem situações como o trabalho infantil, guerra civil, pobreza, marginalização e discriminação.
O longa estreou no último Festival de Veneza e deve estrear em março no Brasil. Ao fim da projeção, visivelmente emocionado, enxugou as lágrimas e demorou alguns minutos para começar a responder às perguntas dos repórteres. "O rosto de uma criança é algo que transcende todas as culturas", disse o ator.
Glover é conhecido pela série "Máquina Mortífera" e atualmente pode ser visto nos cinemas em "Manderlay", de Lars von Trier. Há quase sete anos ele atua como embaixador internacional da ONU (Organização das Nações Unidas) e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Conheceu de perto a realidade das crianças na África do Sul, Namíbia, Venezuela, e visitou vítimas de minas na Etiópia.
Só neste ano, é a terceira vez que visita o Brasil. A primeira foi em junho, quando participou de um congresso sobre igualdade racial em Brasília. Em outubro, esteve no Festival do Rio para promover "Manderlay". Voltou agora para participar de uma cerimônia de premiação do Unicef em São Paulo. Em três visitas a Salvador em outras ocasiões, ficou impressionado com a necessidade de escolta policial nas visitas aos programas sociais. Lembra dos assistentes que ensinavam capoeira, "pessoas extraordinárias e quase despercebidas que injetavam auto-estima nos garotos".
"Muitos curtas do filme retratam a capacidade das crianças de cuidarem de si mesmas em situações difíceis, e outros reforçam a idéia de que a educação é o melhor instrumento para integrá-las", afirmou. "O que vemos na tela deve nos mover para alguma ação concreta."
Glover conta que aprendeu a importância da escola com os avós, fazendeiros pobres que impediram a mãe de trabalhar na colheita do algodão para freqüentar a escola. Com a prosperidade financeira da família, nasceu num ambiente de classe média e aos 19 anos começou a trabalhar em serviços sociais em São Francisco.
Ainda ajudou na reabilitação de três irmãos que tiveram problemas com drogas. "Conheço a importância das instituições de apoio às famílias. Só com muita ajuda meus irmãos puderam sair dessa experiência", disse.
Na sessão também estava Kátia Lund, co-diretora de "Cidade de Deus" e diretora de um dos segmentos de "Todas as Crianças Invisíveis", sobre dois irmãos que catam papelão e alumínio com sua carroça em São Paulo. ""Cidade de Deus" mostrava a realidade daquele 1% das crianças pobres que têm poder por causa do crime. Queria fazer um filme sobre as outras 99% que trabalham honestamente desde cedo para sobreviver", diz ela, que escreveu o curta a quatro mãos com Eduardo Tripa, morador da Rocinha. O tema surgiu depois que ela descobriu que o Brasil é o país que mais recicla alumínio do mundo e uma parte do resultado vem do trabalho de formiguinha dos catadores.
Nascida em São Paulo mas trabalhando no Rio, Lund escolheu SP como cenário porque percebeu que nela é mais fácil identificar a presença dos "carroceiros". "Aqui eles se arrumam, usam chapéu, colocam dizeres nas carroças. Um dos meninos que entrevistei era todo orgulhoso, se achava um homem pois já conduzia a sua carroça sem a mãe, chamava-a de "minha Ferrari'", diz.
Ela pensou em procurar uma ONG para encontrar atores, mas logo conheceu Vera, que participava do Movimento dos Sem-Teto, e Francisco, carroceiro que trabalhava na rua 25 de Março. Ao contrário de boa parte dos curtas de "Todas as Crianças Invisíveis", o de Lund adota um tom otimista.
"Não me interessava contar a história dos coitadinhos. Esses meninos conseguem encontrar um lado divertido, encaram o trabalho de catar papel e lata como uma gincana." Trabalhando nesse tom, ela consegue transmitir o impacto dessa dura realidade social sem ser piegas.


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