|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Glover se emociona ao assistir a filme de Kátia Lund
THIAGO STIVALETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
De passagem por São Paulo, o
ator Danny Glover, 59, assistiu
anteontem a uma sessão fechada
do filme "Todas as Crianças Invisíveis", reunião de curtas de cineastas como Spike Lee, John
Woo e Emir Kusturica sobre
crianças de todo o mundo que vivem situações como o trabalho
infantil, guerra civil, pobreza,
marginalização e discriminação.
O longa estreou no último Festival de Veneza e deve estrear em
março no Brasil. Ao fim da projeção, visivelmente emocionado,
enxugou as lágrimas e demorou
alguns minutos para começar a
responder às perguntas dos repórteres. "O rosto de uma criança
é algo que transcende todas as
culturas", disse o ator.
Glover é conhecido pela série
"Máquina Mortífera" e atualmente pode ser visto nos cinemas em
"Manderlay", de Lars von Trier.
Há quase sete anos ele atua como
embaixador internacional da
ONU (Organização das Nações
Unidas) e do Unicef (Fundo das
Nações Unidas para a Infância).
Conheceu de perto a realidade
das crianças na África do Sul, Namíbia, Venezuela, e visitou vítimas de minas na Etiópia.
Só neste ano, é a terceira vez que
visita o Brasil. A primeira foi em
junho, quando participou de um
congresso sobre igualdade racial
em Brasília. Em outubro, esteve
no Festival do Rio para promover
"Manderlay". Voltou agora para
participar de uma cerimônia de
premiação do Unicef em São Paulo. Em três visitas a Salvador em
outras ocasiões, ficou impressionado com a necessidade de escolta policial nas visitas aos programas sociais. Lembra dos assistentes que ensinavam capoeira, "pessoas extraordinárias e quase despercebidas que injetavam auto-estima nos garotos".
"Muitos curtas do filme retratam a capacidade das crianças de
cuidarem de si mesmas em situações difíceis, e outros reforçam a
idéia de que a educação é o melhor instrumento para integrá-las", afirmou. "O que vemos na tela deve nos mover para alguma
ação concreta."
Glover conta que aprendeu a
importância da escola com os
avós, fazendeiros pobres que impediram a mãe de trabalhar na colheita do algodão para freqüentar
a escola. Com a prosperidade financeira da família, nasceu num
ambiente de classe média e aos 19
anos começou a trabalhar em serviços sociais em São Francisco.
Ainda ajudou na reabilitação de
três irmãos que tiveram problemas com drogas. "Conheço a importância das instituições de
apoio às famílias. Só com muita
ajuda meus irmãos puderam sair
dessa experiência", disse.
Na sessão também estava Kátia
Lund, co-diretora de "Cidade de
Deus" e diretora de um dos segmentos de "Todas as Crianças Invisíveis", sobre dois irmãos que
catam papelão e alumínio com
sua carroça em São Paulo. ""Cidade de Deus" mostrava a realidade
daquele 1% das crianças pobres
que têm poder por causa do crime. Queria fazer um filme sobre
as outras 99% que trabalham honestamente desde cedo para sobreviver", diz ela, que escreveu o
curta a quatro mãos com Eduardo Tripa, morador da Rocinha. O
tema surgiu depois que ela descobriu que o Brasil é o país que mais
recicla alumínio do mundo e uma
parte do resultado vem do trabalho de formiguinha dos catadores.
Nascida em São Paulo mas trabalhando no Rio, Lund escolheu
SP como cenário porque percebeu que nela é mais fácil identificar a presença dos "carroceiros".
"Aqui eles se arrumam, usam
chapéu, colocam dizeres nas carroças. Um dos meninos que entrevistei era todo orgulhoso, se
achava um homem pois já conduzia a sua carroça sem a mãe, chamava-a de "minha Ferrari'", diz.
Ela pensou em procurar uma
ONG para encontrar atores, mas
logo conheceu Vera, que participava do Movimento dos Sem-Teto, e Francisco, carroceiro que trabalhava na rua 25 de Março. Ao
contrário de boa parte dos curtas
de "Todas as Crianças Invisíveis",
o de Lund adota um tom otimista.
"Não me interessava contar a
história dos coitadinhos. Esses
meninos conseguem encontrar
um lado divertido, encaram o trabalho de catar papel e lata como
uma gincana." Trabalhando nesse tom, ela consegue transmitir o
impacto dessa dura realidade social sem ser piegas.
Texto Anterior: Cine nordestino domina noite de premiação Próximo Texto: Panorâmica - Evento: Debate e novo livro discutem guerra e cinema Índice
|