São Paulo, terça, 2 de fevereiro de 1999

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Rei do "planeta rock' vem a SP

Reprodução
O produtor, MC e DJ nova-iorquino Afrika Bambaataa, que toca hoje em SP



Afrika Bambaataa, um dos inventores do hip hop e precursor da música eletrônica atual, aporta no Brasil pela primeira vez, onde inaugura uma nova festa no clube Lov.e


LEANDRO FORTINO
da Redação

Aos 38 anos, o produtor, MC e DJ nova-iorquino Afrika Bambaataa já pode considerar garantido o seu lugar como um dos artistas mais criativos na história do pop. Em 11 de setembro de 1982, ele lançava "Planet Rock", faixa que lhe deu o direito ao posto e que ainda serve de parâmetro para boa parte da música pop produzida hoje.
Mais de 15 anos depois de explodir o planeta rock com a mistura do suingue negro e a música eletrônica branca, Bambaataa (ou apenas Bam, como prefere ser chamado) assume hoje os toca-discos do clube Lov.e, em São Paulo.
Ele mostrará suas habilidades na profissão que escolheu ainda em meados dos anos 70, quando era mais um adolescente negro do bairro do Bronx, líder da conhecida gangue de rua Black Spades.
Era a época das chamadas "block parties", grandes festas que aconteciam nas ruas com centenas de jovens da comunidade negra e latina local que queriam se divertir com DJs tocando clássicos do funk, do rock e do reggae e novidades do tecnopop europeu.
Com os toca-discos montados, os MCs (mestres-de-cerimônias) agarravam o microfone e animavam a galera em batalhas verbais. De um lado o grupo de Bam, o Zulu Nation, e do outro o de Grandmaster Flash, outra figura seminal do hip hop, estilo que começava a ganhar sua forma.
Apesar de rolarem algumas brigas, a intenção era mesmo se divertir. Mas a política também tinha espaço no debate entre os jovens.
"O Zulu Nation tinha a mente mais progressista na política, ensinando coisas boas, tentando parar com a violência das gangues, conscientizando os jovens negros e juntando as pessoas pela música", diz Bam, em entrevista à Folha, feita por telefone, de Nova York.
Mas o sucesso só saiu dos guetos com "Planet Rock". A música foi feita por Bam com o grupo de MCs Soul Sonic Force, o tecladista John Robie e o produtor Arthur Baker (New Order e Donna Summer).
O single, apesar de pouco executado pelas FMs americanas -que só se renderam ao hip hop no final dos anos 80-, conseguiu ultrapassar 1 milhão de cópias vendidas nos EUA e iniciou um estilo, o electro funk, base para outros gêneros do pop, como a house, o hip hop latino, o tecno e, mais recentemente, o big beat e o drum'n'bass.
Leia a seguir a entrevista com Afrika Bambaataa.

Folha - Além de DJ, você também é MC. Você pretende fazer as duas coisas no Brasil?
Afrika Bambaataa -
Não. Vou apenas tocar como DJ as músicas que costumo tocar. Espero que as pessoas dancem. Espero sair e conhecer pessoas de várias regiões e sentir a vida no Brasil. Estou interessado no Brasil há muito tempo. Sei que é a segunda maior população negra fora da África, sei de algumas coisas, como crianças levando tiros, a floresta tropical e também os óvni que pousam.
Folha - Como você entrou em contato com a música eletrônica?
Bambaataa -
Quando eu era DJ nos anos 70, tocava coisas novas para o público negro e latino. As pessoas vinham ouvir estilos de música diferentes, como "Trans-Europe Express", do Kraftwerk. O meu público queria ouvir coisas novas. Pensava: "Eu quero fazer alguma coisa eletrônica com groove, que acabaria direto no funk". Então produzi "Planet Rock" com Arthur Baker e John Robie.
Folha - O electro funk foi uma grande influência para a música eletrônica atual, de grupos como Chemical Brothers, Prodigy...
Bambaataa -
Do electro funk veio a house music, o tecno, o hip hop latino, a hip house, e todos esses estilos da chamada "electronica". Acho que fiz o meu trabalho em espalhar o electro funk pelo mundo.
Folha - Sobre o sampler, você pagou os direitos autorais de "Trans-Europe Express" para o Kraftwerk, usado em "Planet Rock"?
Bambaataa -
Não pagamos porque nunca sampleamos a música. Eles não cobraram da gente porque simpatizavam com a nossa gravadora. Mas todos pensam que a música foi sampleada. Foi o talento de John Robie, um mago dos sintetizadores, que reproduziu exatamente a mesma coisa.
Folha - Como você encara o uso do sampler e os direitos autorais?
Bambaataa -
Acho que, se você usa a música de outras pessoas, você deve dividir a autoria. Muitos artistas não vêem problemas, contanto que você dê um "pedaço da torta" (pagamento de direitos).
Folha - Mas muitos querem um pedaço muito grande.
Bambaataa -
Então você deve dizer a esse tipo de gente que nunca mais usará suas músicas. Os artistas tem de entender que uma mão lava a outra. Muitos artistas que estavam completamente desaparecidos foram ressuscitados pelo hip hop e voltaram a fazer sucesso.
Folha - O que mudou em sua vida depois do sucesso?
Bambaataa -
Nunca deixei o sucesso subir à minha cabeça. Usei o meu sucesso para mostrar para as pessoas o que estava acontecendo no mundo. Participei de projetos como Free Nelson Mandela, Spirit of the Forest, para a floresta tropical brasileira... Fiz muitas coisas para ajudar diversos países.
Folha - Você consegue relacionar as raves de hoje às "block parties"?
Bambaataa -
Com certeza. Inclusive a cena rave de hoje é muito melhor. Quando começou era estritamente tecno. Não consigo ouvir um único tipo de música por 10 ou 15 horas. É muito chato. Quero ouvir um DJ tocando tecno e também soul, hip hop, funk, jungle, house... Gosto de tocar para todos.



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