São Paulo, sábado, 02 de março de 2002

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DANÇA

Cia. 2 Nova Dança coloca à prova a identidade brasileira

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Onde começa o começo? A cena está aberta desde sempre, e tanto os bailarinos quanto o público caminham em busca de um lugar.
"Artérias - Quando se Perde o Norte", criação da Cia. 2 Nova Dança, sob a direção de Adriana Grechi, cruza sentidos dentro e fora do palco, à procura também de um novo sentido brasileiro para a dança. Limites usuais são transcendidos e a identidade é posta à prova: sempre com bom humor, graças a Deus, até nos momentos menos inspirados.
A "cultura popular brasileira" (entre aspas, ou lutando contra elas) foi o ponto de partida declarado para a pesquisa de movimento. O palco está cheio de objetos, que vão do universo indígena, passando pelo afro-brasileiro e caindo nas metrópoles, com seus cestos de plástico.
O que é símbolo e o que é concreto, o que é tangível e o que é só tangenciado se confundem nesta nova natureza, onde um pau não é um pau e uma pedra não é uma pedra. Mas também podem ser.
Algumas vezes, é bom que se diga, esse tipo de ironia soa fácil. Por exemplo (já que falamos em pedra): o nu do começo. Um bailarino deitado, coberto com uma saia de tule, com um brinquedo sonoro na mão. Ao se levantar, deixa tudo à mostra. Sai de cena, então, para voltar de cueca e "começar" a dançar. A repetição obsessiva de movimentos, que os vai esvaziando de sentido, acaba também esvaziando o esvaziar. A ironia última seria ver nisso mesmo o propósito da dança, mas é norte demais para se perder.
Por outro lado, é mais importante ainda que se diga, há muitos momentos impressionantes, pela força de criação do movimento. Como o solo de Sheila Arêas: seu corpo avança se arrastando pelo chão, em gestos fragmentados, que usam o peso e as articulações como dobradiças -tanto do jeito natural como reverso. Criam-se assim formas insólitas, num corpo "impossível", que se fixa no espaço apenas o bastante para passar a outro movimento, tão dobrado e estranho quanto o primeiro.
Esse tipo de gesto nasce de um processo de improvisação que é característico do grupo. São reações intuitivas ou decisões conscientes, que provocam outras reações, que modificam a primeira intenção... até que se cria uma linguagem. Eis uma coisa: faça alguma coisa com ela, deixe-a fazer por si, deixe-a fazer com você; eis uma outra coisa: faça alguma coisa com ela. Quem busca o norte perde o norte; quem perde busca. Tudo muito instigante. O que não desculpa o mau acabamento, aqui e ali.
Certo "Brasil brasileiro", com os sinais comuns de erotização e banalização do corpo feminino, ao som de marchinhas de Carnaval, leva, com toda a justiça, na cabeça. A música anima o gingado caricato. Um Bela Vista Social Club, ou desconstrução do Bexiga, com marimbas.
Tanta descontinuidade nem sempre dá a volta em si mesma e talvez nem precise. Perdida entre mil artérias metafóricas, com o sangue confuso nas veias, a Cia. 2 Nova Dança permanece sendo uma das fontes saudáveis de inspiração e irritação para todos nós. Cada um depois que perca e ache o sul.


Artérias - Quando se Perde o Norte    
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 20h
Onde: Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, SP, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15




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