São Paulo, quinta-feira, 02 de março de 2006

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COMIDA

Talento renovado


Jovens chefs de cozinha herdam restaurantes prestigiados de São Paulo

RACHEL BOTELHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tradicionais, os restaurantes existem há décadas, são devidamente aclamados pela crítica e recebem em suas mesas gerações de comensais. À frente das panelas, em vez de chefs com larga experiência e ares de mestres do ofício, estão jovens herdeiros com até 25 anos que cresceram praticamente dentro da cozinha e injetam novo fôlego ao negócio da família.
Quando a maioria dos jovens de classes média e alta ainda se dedica exclusivamente aos estudos, eles administram equipes com dezenas de cozinheiros e ajudantes -alguns com mais tempo de experiência do que eles têm de idade-, criam novas receitas, introduzem técnicas e evitam que a cozinha caia na mesmice.
Aos 21 anos, Raphael Durand Despirite é o caçula dessa turma. Da terceira geração de proprietários do Marcel, restaurante cinqüentenário famoso por seus suflês, ele freqüenta os bastidores da casa desde os 14 anos e com 19 já era o responsável pela cozinha (leia no quadro abaixo uma receita elaborada pelo chef).
Incentivado pelo avô Jean e pelos cozinheiros, que o viam como um "mascote", viajou para Paris a fim de estudar na Escola de Escoffier do Hotel Ritz. A paixão pelo ofício foi descoberta nessa temporada. "Cozinha é algo que se ama ou odeia; eu gostei mesmo", conta, seguro de sua escolha.
Na volta, naturalmente, foi direto para o Marcel. "Comecei mudando um prato aqui, outro ali, algumas técnicas que estavam ultrapassadas."
Uma alteração importante, ressalta, foi a substituição da manteiga e do creme de leite pelo azeite. "A saída dos pratos também mudou muito. Os suflês dominavam 80% dos pedidos, em média, e agora são apenas 40%."
Chef há dois anos, Despirite está adaptado ao posto, mas lembra que, no início, precisou ser muito paciente para convencer alguns funcionários de sua capacidade. "Sempre fica aquela dúvida: será que ele sabe mesmo? Afinal, alguns tinham quase 19 anos de experiência, e eu, 19 anos de idade. Mas a reação positiva dos clientes fez com que eu ganhasse o pessoal", afirma.

Herdeira no fogão
Outro endereço tradicional da cidade, aberto em 1987 e consagrado por suas receitas à base de peixes e frutos do mar, o Amadeus também tem uma jovem herdeira à frente da cozinha.
Depois de se graduar em hotelaria, Bella Masano, 24, cursou o prestigiado Cordon Bleu na Europa e voltou pronta a colaborar com o restaurante dos pais, Ana e Tadeu.
"Mas logo o nosso chef se aposentou e acabou sobrando para mim", brinca. O que ela acha da experiência? "Não deixa de ser um pouco assustador assumir tanta responsabilidade tão cedo, mas, por outro lado, é um grande desafio."
Segundo ela, sua intenção nunca foi romper com o trabalho que vinha sendo desenvolvido até então, mas implementar algumas melhorias. "Os clientes perceberam um maior cuidado com a apresentação dos pratos e a introdução de pequenos mimos, como um couvert mais incrementado e os sorbets que servimos entre os pratos", afirma Masano, criadora de uma receita que leva bacalhau e grão-de-bico.

Talento reconhecido
Com 25 anos, a chef Morena Leite teve uma história parecida, mas já é praticamente veterana perante seus colegas. Desde 1999 à frente da cozinha do Capim Santo, restaurante aberto por seus pais em Trancoso, na Bahia, no ano passado teve seu trabalho reconhecido ao ministrar uma aula de cozinha brasileira no Cordon Bleu, onde se formou.
O restaurante teve início na casa da família, quando Morena ainda era bebê. Apesar de ter passado a infância nesse meio, foi somente aos 15 anos, durante uma viagem de estudos para a Inglaterra, que decidiu seguir a carreira.
"Vi que poderia me comunicar com as pessoas através da gastronomia", diz. Na volta, também foi direto para a cozinha.
Em 2004, quando o Capim Santo se transferiu para o atual endereço, nos Jardins, em SP, Morena tornou-se sócia-proprietária da casa. Hoje, comanda uma equipe de 70 pessoas, 30 delas na cozinha, mais um bufê para festas.
"Estou feliz com o que eu sou", diz. "Não faço exatamente como me ensinaram, porque na França é tudo padronizado, bem medido, e eu gosto mesmo é de pôr a mão na comida."


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