São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

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Última Moda

Alcino Leite Neto, em Milão e Paris - ultima.moda@folha.com.br

Chalayan anos-luz à frente

Estilista renova experiências com moda e tecnologia

A sala de desfiles está às escuras, ouve-se o som de um xilofone e, de repente, uma modelo entra com um vestido estampado com pequenos quadrados de luzes brilhantes que vão mudando de tonalidade à medida que ela anda pela passarela.
Na frente dos fotógrafos, enquanto a modelo exibe seu tecido-mosaico de ficção científica, um buraco na passarela vomita jatos de fumaça, como se fosse a porta do inferno.
É o início do desfile do estilista turco Hussein Chalayan, que deu continuidade às suas pesquisas futuristas do verão e já é considerado o nome mais vanguardista da moda.
Ainda não acabou. A segunda modelo traz um capuz que vai cobrindo lentamente sua cabeça, graças a um controle por computador. E não é só a tecnologia que impressiona mas também o conceito da coleção de Chalayan, a graça e a novidade de cada uma das peças.
Em Paris, é assim que acontece: choques sucessivos de criatividade, o gosto lúdico pelas roupas se manifestando nos grandes desfiles e uma confiança geral na arte da moda.
Antes de Chalayan, foi Martin Margiela quem causou entusiasmo. O estilista belga mostrou uma excelente coleção, em que uma série de ombreiras gigantes e recortes perversos na silhueta desafiavam e enfatizavam as formas femininas.
Margiela tem o talento de apanhar as tendências do momento e levá-las à "expressão pura" da moda, limpando-as de todos os clichês. Como poucos, ele consegue transitar do experimental ao comercial, lançando as coisas para a frente, sem imagens nostálgicas.
A dupla holandesa Viktor & Rolf fez as modelos transportarem uma armação com luzes e som, como se cada uma delas tivesse um equipamento particular de desfile.
Foi uma idéia absolutamente irônica, que resultou num desfile burlesco e interessante. A coleção é menos radical, mas eficiente em brincar com o passado e com o presente.
Passado contra o presente é uma das lutas mais vibrantes da temporada -os dois com força igual na moda de hoje. A nostalgia, por exemplo, iluminou o deslumbrante desfile de John Galliano para a Dior, baseado nas femmes fatales do cinema, como Veronica Lake e Rita Hayworth.
O estilista conseguiu atualizar para esta época todo o fetichismo e o glamour das divas do filme noir em modelos que ele vai envelopando e desdobrando com peças superluxuosas. Até chegar num sensacional vestido branco, uma espécie de origami maluco, em que as formas sublimadas pela fantasia hollywoodiana se rebelam numa imagem caótica.
O presente, por sua vez, deu a tônica da coleção de Nicholas Ghesquière para a Balenciaga. O estilista francês desistiu das pesquisas futuristas que fez no verão e resolveu agora encarar a atualidade multicultural, multiétnica e multiicônica.
Contra o preto dominante, apostou nas cores e nas estampas. E foi o que mais investiu nas calças -no caso, tipo cargo slim (que na temporada rivalizam com as pantalonas).
Tribal é o conceito da coleção da Balenciaga, mas no sentido amplo: ele associou elementos de culturas indígenas aos de tribos atuais das grandes cidades, como os chavs -estes jovens do lumpesinato inglês.
O olhar é cínico e ousado: faz referências a outras grifes, como a Adidas (Yamamoto também brincou com a Louis Vuitton); deshierarquiza o gosto, lançando a sofisticada Balenciaga no meio das ruas proletárias; e leva ao ápice a mixagem de estilos e formas que vai marcando o melhor da temporada.

Versace abandona o estilo perua-sexy

Cumpriu à Versace encerrar o núcleo principal da temporada de outono-inverno em Milão. A grife fez bonito, principalmente na primeira parte do desfile, quando apresentou uma coleção de deslumbrantes monocromáticos -com cores inspiradas no trabalho do artista Brice Marden. Donatella Versace abandonou de vez o estilo perua-sexy para explorar uma feminilidade nada vulgar, muito elegante e contemporânea, buscando arquiteturas diferenciadas, apostando em certo minimalismo e investindo em novos tecidos.
No sábado, a temporada milanesa terminou em meio à polêmica causada por um artigo publicado no "New York Times". O texto dizia que a moda italiana tendia ao vulgar e a um estilo de prostituta. Os designers responderam com firmeza, dizendo que deve ser por isso mesmo que as suas principais consumidoras estão nos EUA. Armani avançou mais: atacou a moda americana, afirmando que ela é feita de cópias.
Fato é que não foi a vulgaridade que se impôs em Milão, mas uma supersofisticação, tanto na imagem quanto na confecção. Algumas grifes foram mais fetichistas que sexies, como a Dolce & Gabbana, com suas dominatrix. Praticamente sumiram os tipos garotinha e gostosona: as imagens mais fortes foram de mulheres adultas, com toques joviais, glamour e eroticamente senhoras de si.
Conheça a seguir algumas das tendências de Milão:
Vestidos e saias: dominaram a temporada, curtos ou de altura pouco acima do joelho. Os estilistas trabalharam muito os volumes, explorando sobretudo as formas circulares, como tulipas e balonês. Nos longos de noite, a silhueta tende para o estreito e o vaporoso.
Calças: apareceram aqui e ali, às vezes muito justas ou tipo pantalona. Shortinhos e bermudas também marcaram presença -e, para enfrentar o frio, com as pernas cobertas por meias-calças e leggings.
Pele: voltou com tudo, usada em detalhes importantes, ou então com exagero, em casacos "cocooning" (casulo), de silhuetas bem ousadas, para quebrar o ar de "matrona".
Masculino: elemento forte na temporada, que explorou imagens andróginas ou militares, nas figuras de cavaleiros e de aviadores.
Pulôveres: bem grandes e compridos ("oversized"), em pontos grossos ou tipo pelúcia.
Cinturas: muito marcadas, com megacintos ou cintos de mais de uma volta.
Cores: o preto foi a estrela mas também o cinza e o marrom. Para quebrar a monotonia, alguma cor forte, como o violeta, o vermelho e o verde (sobretudo oliva). Os metálicos estão em alta, principalmente os tons prateados.
Sapatos: as plataformas imperaram mas também apareceram as ankle boots (ou "bottines") e os sapatos baixos, tipo bailarina; aplicações metálicas decoraram os calçados.
Bolsas: as carteiras, luxuosas, foram o destaque; nas demais, o tamanho médio superou as megabolsas, que quase sumiram (com exceções, como a D&G, que usou bolsas-sacolas de quase um metro).


com VIVIAN WHITEMAN

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