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Última Moda
Alcino Leite Neto, em Milão e Paris - ultima.moda@folha.com.br
Chalayan anos-luz à frente
Estilista renova experiências com moda e tecnologia
A sala de desfiles está às escuras,
ouve-se o som de um xilofone e, de
repente, uma modelo entra com um
vestido estampado com pequenos
quadrados de luzes brilhantes que
vão mudando de tonalidade à medida que ela anda pela passarela.
Na frente dos fotógrafos, enquanto a modelo exibe seu tecido-mosaico de ficção científica, um buraco na
passarela vomita jatos de fumaça,
como se fosse a porta do inferno.
É o início do desfile do estilista
turco Hussein Chalayan, que deu
continuidade às suas pesquisas futuristas do verão e já é considerado o
nome mais vanguardista da moda.
Ainda não acabou. A segunda modelo traz um capuz que vai cobrindo
lentamente sua cabeça, graças a um
controle por computador. E não é só
a tecnologia que impressiona mas
também o conceito da coleção de
Chalayan, a graça e a novidade de cada uma das peças.
Em Paris, é assim que acontece:
choques sucessivos de criatividade,
o gosto lúdico pelas roupas se manifestando nos grandes desfiles e uma
confiança geral na arte da moda.
Antes de Chalayan, foi Martin
Margiela quem causou entusiasmo.
O estilista belga mostrou uma excelente coleção, em que uma série de
ombreiras gigantes e recortes perversos na silhueta desafiavam e enfatizavam as formas femininas.
Margiela tem o talento de apanhar
as tendências do momento e levá-las
à "expressão pura" da moda, limpando-as de todos os clichês. Como poucos, ele consegue transitar do experimental ao comercial, lançando as
coisas para a frente, sem imagens
nostálgicas.
A dupla holandesa Viktor & Rolf
fez as modelos transportarem uma
armação com luzes e som, como se
cada uma delas tivesse um equipamento particular de desfile.
Foi uma idéia absolutamente irônica, que resultou num desfile burlesco e interessante. A coleção é menos radical, mas eficiente em brincar
com o passado e com o presente.
Passado contra o presente é uma
das lutas mais vibrantes da temporada -os dois com força igual na moda
de hoje. A nostalgia, por exemplo,
iluminou o deslumbrante desfile de
John Galliano para a Dior, baseado
nas femmes fatales do cinema, como
Veronica Lake e Rita Hayworth.
O estilista conseguiu atualizar para esta época todo o fetichismo e o
glamour das divas do filme noir em
modelos que ele vai envelopando e
desdobrando com peças superluxuosas. Até chegar num sensacional
vestido branco, uma espécie de origami maluco, em que as formas sublimadas pela fantasia hollywoodiana se rebelam numa imagem caótica.
O presente, por sua vez, deu a tônica da coleção de Nicholas Ghesquière para a Balenciaga. O estilista francês desistiu das pesquisas futuristas
que fez no verão e resolveu agora encarar a atualidade multicultural,
multiétnica e multiicônica.
Contra o preto dominante, apostou nas cores e nas estampas. E foi o
que mais investiu nas calças -no caso, tipo cargo slim (que na temporada rivalizam com as pantalonas).
Tribal é o conceito da coleção da
Balenciaga, mas no sentido amplo:
ele associou elementos de culturas
indígenas aos de tribos atuais das
grandes cidades, como os chavs -estes jovens do lumpesinato inglês.
O olhar é cínico e ousado: faz referências a outras grifes, como a Adidas (Yamamoto também brincou
com a Louis Vuitton); deshierarquiza o gosto, lançando a sofisticada Balenciaga no meio das ruas proletárias; e leva ao ápice a mixagem de estilos e formas que vai marcando o
melhor da temporada.
Versace abandona o estilo perua-sexy
Cumpriu à Versace encerrar
o núcleo principal da temporada de outono-inverno em Milão. A grife fez bonito, principalmente na primeira parte do
desfile, quando apresentou
uma coleção de deslumbrantes
monocromáticos -com cores
inspiradas no trabalho do artista Brice Marden. Donatella
Versace abandonou de vez o estilo perua-sexy para explorar
uma feminilidade nada vulgar,
muito elegante e contemporânea, buscando arquiteturas diferenciadas, apostando em certo minimalismo e investindo
em novos tecidos.
No sábado, a temporada milanesa terminou em meio à polêmica causada por um artigo
publicado no "New York Times". O texto dizia que a moda
italiana tendia ao vulgar e a um
estilo de prostituta. Os designers responderam com firmeza, dizendo que deve ser por isso mesmo que as suas principais consumidoras estão nos
EUA. Armani avançou mais:
atacou a moda americana, afirmando que ela é feita de cópias.
Fato é que não foi a vulgaridade que se impôs em Milão,
mas uma supersofisticação,
tanto na imagem quanto na
confecção. Algumas grifes foram mais fetichistas que sexies,
como a Dolce & Gabbana, com
suas dominatrix. Praticamente
sumiram os tipos garotinha e
gostosona: as imagens mais fortes foram de mulheres adultas,
com toques joviais, glamour e
eroticamente senhoras de si.
Conheça a seguir algumas
das tendências de Milão:
Vestidos e saias: dominaram a temporada, curtos ou de
altura pouco acima do joelho.
Os estilistas trabalharam muito os volumes, explorando sobretudo as formas circulares,
como tulipas e balonês. Nos
longos de noite, a silhueta tende para o estreito e o vaporoso.
Calças: apareceram aqui e
ali, às vezes muito justas ou tipo pantalona. Shortinhos e
bermudas também marcaram
presença -e, para enfrentar o
frio, com as pernas cobertas
por meias-calças e leggings.
Pele: voltou com tudo, usada
em detalhes importantes, ou
então com exagero, em casacos
"cocooning" (casulo), de silhuetas bem ousadas, para quebrar o ar de "matrona".
Masculino: elemento forte
na temporada, que explorou
imagens andróginas ou militares, nas figuras de cavaleiros e
de aviadores.
Pulôveres: bem grandes e
compridos ("oversized"), em
pontos grossos ou tipo pelúcia.
Cinturas: muito marcadas,
com megacintos ou cintos de
mais de uma volta.
Cores: o preto foi a estrela
mas também o cinza e o marrom. Para quebrar a monotonia, alguma cor forte, como o
violeta, o vermelho e o verde
(sobretudo oliva). Os metálicos
estão em alta, principalmente
os tons prateados.
Sapatos: as plataformas imperaram mas também apareceram as ankle boots (ou "bottines") e os sapatos baixos, tipo
bailarina; aplicações metálicas
decoraram os calçados.
Bolsas: as carteiras, luxuosas, foram o destaque; nas demais, o tamanho médio superou as megabolsas, que quase
sumiram (com exceções, como
a D&G, que usou bolsas-sacolas
de quase um metro).
com VIVIAN WHITEMAN
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