São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2011

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CRÍTICA INSTRUMENTAL

CD de Ulisses Rocha reinventa trajetória musical do violão solo

Gravado em casa, "Só" traz dez composições que apontam a influência de Powell e Jobim

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Ulisses Rocha bem que pode ter tido a ideia do tema de "Jabuticaba" -quinta faixa de "Só", seu mais recente CD- ao voltar da Unicamp para São Paulo pela rodovia dos Bandeirantes depois de um dia de aulas.
A aproximação paulatina da grande metrópole valoriza o tempo das paisagens simples, que invariavelmente ficarão para trás.
Na peça, é como se Ulisses evocasse a capital a partir do interior: sai de um quase ponteado, com silêncios entre as frases, mas logo o tempo sincopado passa a conduzir melodia e harmonia.
Essa levada soma complexidades urbanas, que não são só do Brasil: o ritmo afro de Baden Powell (1937-2000) está lá, mas a pureza melódica de Paulinho Nogueira (1929-2003) também, ao lado de Gismonti, Pat Metheny, John McLaughlin, Milton Nascimento e Beatles.
Algo similar ocorre em "Duna", que começa com mi repetido como ostinato em duas oitavas agudas, sob o qual o baixo vai passando pelas notas fá, ré e lá, até atingir a corda solta mi grave; ou na elaborada valsa "Lua", cuja segunda parte remete à obra dos compositores Tom Jobim (1927-1994) e Edu Lobo.
Gravado em casa pelo próprio músico - "sem pressa nem ansiedade", como ele escreve no encarte -, traz dez novas composições autorais para violão solo.
Tem uma concentração que faz lembrar o seu primeiro álbum, "Alguma Coisa a Ver com o Silêncio", de 1986. Ulisses já era um compositor talentoso, mas "Só" traz um artesanato maduro.
Embora seja um prazer ouvi-lo como intérprete, suas obras subsistem perfeitamente sem as marcas registradas de seu violonismo, coisa que não ocorre, por exemplo, com um artista como Yamandu Costa.
Assim, a associação de ritmo impecável com mão esquerda firme, polegar pesado e som um pouco ríspido no agudo -de quem não trai a herança roqueira- não seria a única leitura possível para peças belas e engenhosas como "Habana Vieja", "Fogo Brando" e "Calango".
Tal como já ocorre com Paulo Bellinati, Marco Pereira e Sérgio Assad -para não mencionar o resgate dos acervos de Garoto (1915-1955), Dilermando Reis (1916-1977) e do próprio Baden-, as composições de Ulisses Rocha podem figurar sem receio nos programas de concerto de violão.
Daí a importância -a exemplo do que foi feito com os seus "Estudos"- de obras como essas serem editadas, o que as tornaria imediatamente disponíveis a outras tantas viagens ao redor do mundo.



ARTISTA Ulisses Rocha
LANÇAMENTO Independente
QUANTO R$ 24,80, em média
AVALIAÇÃO ótimo


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