São Paulo, quinta-feira, 02 de abril de 2009

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NINA HORTA

A tentação dos badulaques


Ganha aquela cujo desejo for mais agudo. E lá está a ganhadora, com um bule azul clarinho de US$ 100

ESTA PESQUISA de ingredientes e utensílios não é para ser lida por compulsivos ou colecionadores que correm o risco de encher a cozinha de badulaques, tendo de vendê-los no dia em que o meirinho bater à porta cobrando dívidas.
Comecemos por um computador e um desejo, necessidade ou curiosidade. Entrar no site ebay.com. Vão sugerir que nos registremos, com nome, endereço, codinome e senha. De posse do registro, entra-se quando quiser. Há eBays em todo o mundo, Argentina, Polônia, Tailândia, Vietnã, Turquia, México, mas gosto mais da americana, da inglesa, da francesa, bem, conforme o que se procura, também. Estamos, então, dentro do verdadeiro templo do consumo. Desde as marcas mais finas on-line, com especialidade em vintage, até aquele grampo branco que você não acha em lugar nenhum, ou a peça do fogão elétrico que quebrou há anos.
Vamos para a louça. Escrevo "china", em vez de "chinaware", a busca dá errado, aparecendo coisas da China e pratos. Imediatamente arremato uma pulseira vermelha chinesa, não resisti, feita de "croal", que ainda não sei que material é. Arremato duas, pronto.
Acabei na China, mesmo, com muita louça para o chá, muito selo, um casaco de homem apertadíssimo e curto, bules de todos os jeitos, xícaras, Noritake, uma linda tigela de cerâmica para salada por US$ 30, na verdade, US$ 29,99. Ainda uma caneca preta antiga onde está escrito: "Sou uma caneca que deixa seu café mais delicioso". Esse site não deu muita sorte, excessivamente brega.
O engraçado é que o eBay tem moda, conforme a oferta e a procura. Se alguém entrar pesado, procurando máquinas de fazer algodão doce, talvez não encontre nenhuma no primeiro dia, mas, dentro de uma semana, vai achar máquinas velhas, novas, diferentes, de todos os tamanhos e épocas. O preço vai aumentando com a procura.
É um aprendizado de consumo. As dez primeiras coisas que se compram são uma alegria quando chegam em casa ou no correio, mas, geralmente, vão ser as de pior qualidade de sua coleção. Com o tempo, você começa a ficar um expert no assunto, reconhece as peças preferidas, funciona como um caçador atrás da presa e pimba, mata o bicho no minuto que o outro caçador se distrair. Às vezes, te passam a perna, e aí sobe a mostarda ao nariz. "Quem é essa infeliz que deu um lance desse tamanho para o meu bule azul clarinho? Está pensando o quê?" Ganha aquela cujo desejo for mais agudo ou a mais teimosa ou a mais carente ou competitiva. E lá está a ganhadora, com um bule azul clarinho de US$ 100, só de pirraça.
Pesquisei "egg-coddler", aquelas tigelinhas de tampa para fazer ovo quente. Tem de todas as cores, daquela louça grossa que vai ao fogo. E depois começaram a aparecer mais tentações, uns "coddlers" individuais antigos, de prata, do tempo da rainha Vitória, com réchaud de vela, por US$ 30! Vai dar briga, vai dar briga, vai dar briga! No caminho, escrevi na busca "pots and pans", querendo dizer panelas. Apareceram de todos os feitios, e, para minha surpresa, muitos penicos junto, que também são pots. Ora, que mistura.
Chá verde tem de caixinha, em folha, em pó, até um com açaí, e pesquise "canning jars", aqueles vidros que se fecham bem para conservas. Além dos vidros, tem toda a parafernália junto, a geringonça para deixar os ingredientes escorrendo como um grande coador, pinças para abrir as tampas. Alguns vidros são normais, outros são verdes, azuis, âmbar, um roxo, muito roxo para frutas vermelhas... E, por falar em roxo, acho que vou atacar aquela pulseirinha roxa da Frey Wille, que estou de olho nela faz tempo. Ah, e passa tudo pela alfândega, é claro.

ninahorta@uol.com.br


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