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Roteirista "conhece" Josué há 8 anos
especial para a Folha
Antes mesmo de ser filmado,
"Central do Brasil" já colecionava um prêmio. Seu roteiro, escrito por João Emanoel Carneiro
em colaboração com Marcos
Bernstein a partir de argumento
de Walter Salles, foi premiado
no Sundance Festival, em 96.
Além da injeção de US$ 310 mil
na produção, a premiação revelou o jovem Carneiro, 28, um
ex-ghost writer de Ziraldo. Filho
de uma antropóloga, crescido
longe do pai, ele diz ter entrado
em contato com o leit-motiv de
"Central" há 8 anos, em férias,
numa viagem de ônibus a Salvador. Carneiro falou por telefone,
do Rio, à Folha.
(PAULO VIEIRA)
Folha - A idéia original de
"Central" é do Salles, mas você
viveu uma experiência próxima
da descrita no filme.
João Emanoel Carneiro -
Quando conheci o argumento do
Waltinho, fui me lembrando de
um menino chamado Jeová, que
viajou comigo a Salvador, de
ônibus. Ele tinha 9 anos e nunca
tinha visto o pai. Excitado, sentou-se a meu lado e foi dizendo
como imaginava o pai. Ao chegar
à rodoviária, vimos que era um
pinguço. Gostaria que o Jeová
soubesse que dedico o filme a ele.
Folha - E a escrevedora da estação Central do Brasil, também
lhe era familiar?
Carneiro - Quando eu passei a
frequentar a Central, já não havia mais a escrevedora. Mas fui
conhecendo os usuários e ouvindo suas histórias. Com base nelas, escrevi os depoimentos que
seriam ditados a Dora. Quando
começamos a filmar, pessoas
vieram pedir para a gente escrever cartas verdadeiras, e esses depoimentos espontâneos acabaram por aparecer no filme. As
pessoas esqueciam que havia ali
uma equipe de filmagem. Colocamos várias cartas no correio.
Folha - Os depoimentos que
você havia escrito eram parecidos com os que foram à tela?
Carneiro - Sim, mas não há
dúvida de que esses têm uma
grande força exatamente por seu
realismo. Acho que "Central"
traz para o cinema brasileiro um
novo neo-realismo. No Brasil,
gostamos de contar histórias de
maneira farsesca, com atuações
sempre destacadas. "Central"
muda um pouco esse contexto.
Folha - Há um momento de denúncia no filme, quando o segurança da Central (Otavio Augusto) assassina um meliante.
Carneiro - Talvez seja o único
momento em que o "sociológico" não está a serviço da dramaturgia. Embora eu tenha me inspirado naquele assassinato do
Rio Sul (cometido por um policial e exibido no "Jornal Nacional"), ele está lá para dar um respiro, tirar um pouco o foco dos
personagens principais.
Folha - No cinema nacional, é
difícil ver o sertão em cores.
Quando aparece, é cenário de filmes históricos. Arriscaria dizer
que "Central" é o primeiro filme
a mostrá-lo contemporaneamente, em cores. Por isso mesmo, me
deu a impressão de que aquela
locação poderia ser em qualquer
lugar do mundo.
Carneiro - Creio que "Central" é um filme profundamente
brasileiro. Narra uma viagem ao
coração do Brasil. Um personagem como Dora tem uma ambiguidade que é muito brasileira.
Não vejo como "Central" poderia ter sido filmado em outro lugar. Além disso, o filme incorporou situações que vivíamos nas
filmagens. A música do Chico
César está lá porque foi cantada
um dia pela bilheteira numa das
locações. As trovas de "trava-língua" do Isaías apareceram em
razão de brincadeiras do maquinista do filme. Sem elas, o Isaías
teria metade de suas falas.
Folha - Você já dirigiu um curta
que ganhou alguns prêmios, em
Gramado e no RioCine. Quando
será a vez do longa?
Carneiro - Tenho um roteiro
que gostaria de eu mesmo filmar.
Chama-se "Extraviados": histórias de três excluídos que se encontram num subúrbio do Rio,
Guadalupe. Um dos personagens, que é uma figurante, quero
dar para uma atriz famosa.
Folha - Como estão suas relações com Coppola?
Carneiro -Ele leu minha
adaptação para o cinema de
"Chatô" e parece ter gostado. Já
disse que vai oferecer seu selo, a
Zoetrope, para distribuir o filme
nos EUA. Não sei mais nada. Sou
um mísero e humilde roteirista.
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