São Paulo, quinta, 2 de abril de 1998

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Roteirista "conhece" Josué há 8 anos

especial para a Folha

Antes mesmo de ser filmado, "Central do Brasil" já colecionava um prêmio. Seu roteiro, escrito por João Emanoel Carneiro em colaboração com Marcos Bernstein a partir de argumento de Walter Salles, foi premiado no Sundance Festival, em 96.
Além da injeção de US$ 310 mil na produção, a premiação revelou o jovem Carneiro, 28, um ex-ghost writer de Ziraldo. Filho de uma antropóloga, crescido longe do pai, ele diz ter entrado em contato com o leit-motiv de "Central" há 8 anos, em férias, numa viagem de ônibus a Salvador. Carneiro falou por telefone, do Rio, à Folha. (PAULO VIEIRA)

Folha - A idéia original de "Central" é do Salles, mas você viveu uma experiência próxima da descrita no filme.
João Emanoel Carneiro -
Quando conheci o argumento do Waltinho, fui me lembrando de um menino chamado Jeová, que viajou comigo a Salvador, de ônibus. Ele tinha 9 anos e nunca tinha visto o pai. Excitado, sentou-se a meu lado e foi dizendo como imaginava o pai. Ao chegar à rodoviária, vimos que era um pinguço. Gostaria que o Jeová soubesse que dedico o filme a ele.
Folha - E a escrevedora da estação Central do Brasil, também lhe era familiar?
Carneiro -
Quando eu passei a frequentar a Central, já não havia mais a escrevedora. Mas fui conhecendo os usuários e ouvindo suas histórias. Com base nelas, escrevi os depoimentos que seriam ditados a Dora. Quando começamos a filmar, pessoas vieram pedir para a gente escrever cartas verdadeiras, e esses depoimentos espontâneos acabaram por aparecer no filme. As pessoas esqueciam que havia ali uma equipe de filmagem. Colocamos várias cartas no correio.
Folha - Os depoimentos que você havia escrito eram parecidos com os que foram à tela?
Carneiro -
Sim, mas não há dúvida de que esses têm uma grande força exatamente por seu realismo. Acho que "Central" traz para o cinema brasileiro um novo neo-realismo. No Brasil, gostamos de contar histórias de maneira farsesca, com atuações sempre destacadas. "Central" muda um pouco esse contexto.
Folha - Há um momento de denúncia no filme, quando o segurança da Central (Otavio Augusto) assassina um meliante.
Carneiro -
Talvez seja o único momento em que o "sociológico" não está a serviço da dramaturgia. Embora eu tenha me inspirado naquele assassinato do Rio Sul (cometido por um policial e exibido no "Jornal Nacional"), ele está lá para dar um respiro, tirar um pouco o foco dos personagens principais.
Folha - No cinema nacional, é difícil ver o sertão em cores. Quando aparece, é cenário de filmes históricos. Arriscaria dizer que "Central" é o primeiro filme a mostrá-lo contemporaneamente, em cores. Por isso mesmo, me deu a impressão de que aquela locação poderia ser em qualquer lugar do mundo.
Carneiro -
Creio que "Central" é um filme profundamente brasileiro. Narra uma viagem ao coração do Brasil. Um personagem como Dora tem uma ambiguidade que é muito brasileira. Não vejo como "Central" poderia ter sido filmado em outro lugar. Além disso, o filme incorporou situações que vivíamos nas filmagens. A música do Chico César está lá porque foi cantada um dia pela bilheteira numa das locações. As trovas de "trava-língua" do Isaías apareceram em razão de brincadeiras do maquinista do filme. Sem elas, o Isaías teria metade de suas falas.
Folha - Você já dirigiu um curta que ganhou alguns prêmios, em Gramado e no RioCine. Quando será a vez do longa?
Carneiro -
Tenho um roteiro que gostaria de eu mesmo filmar. Chama-se "Extraviados": histórias de três excluídos que se encontram num subúrbio do Rio, Guadalupe. Um dos personagens, que é uma figurante, quero dar para uma atriz famosa.
Folha - Como estão suas relações com Coppola?
Carneiro -Ele leu minha adaptação para o cinema de "Chatô" e parece ter gostado. Já disse que vai oferecer seu selo, a Zoetrope, para distribuir o filme nos EUA. Não sei mais nada. Sou um mísero e humilde roteirista.



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