São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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GASTRONOMIA

COZINHA CRIATIVA

O inovador chef Ferran Adrià espalha seu "vírus" pelo mundo

Restaurante El Bulli planeja instalar filial no Brasil

CRÍTICO DA FOLHA

Um vírus ronda a Europa e coloca também o Brasil em sua mira: é o vírus da mais moderna gastronomia que se pratica hoje em dia. Seu nome: "El Bulli vírus". O agente propagador: o cozinheiro mais falado e talentoso da atualidade, o catalão Ferran Adrià, sócio e chef de cozinha do restaurante El Bulli, na Costa Brava espanhola, próximo a Barcelona.
À Folha, Adrià contou que pretende abrir uma filial do restaurante no Brasil. Mas ainda não sabe em qual cidade.
E visitar o El Bulli catalão não é tarefa para este ano. Seus 45 lugares já estão todos reservados até o fim da temporada. A casa funciona somente seis meses por ano, de abril a setembro, e somente para o jantar. As reservas começam a ser feitas no primeiro dia do ano -e se esgotam rapidamente.
Mas a legião de fãs que o procuram na pequena enseada (a cala Montjoi), a três horas de carro de Barcelona, não se arrepende. Eles buscam uma experiência surpreendente, uma cozinha inovadora e instigante.
É uma cozinha que ficou conhecida como a da desconstrução: onde a sopa é sólida, os croquetes são líquidos, as formas interferem no impacto das substâncias sobre o paladar, os aromas podem vir adicionados à comida, em pequenos cartões perfumados. Onde os pratos frequentemente requerem instruções do garçom, como o camarão que deve ser mastigado primeiro pela cabeça crocante para depois ter a carne (crua) levada à boca, mas não engolida antes de se sorver um concentrado apresentado numa pequena ampola.
Tanta parafernália, repetida ao longo de 14 a 30 pratos servidos num jantar, poderia tornar a refeição friamente técnica não fosse o detalhe: é tudo muito saboroso, surpreendentemente saboroso.
Esse turbilhão criativo não acontece do nada; é fruto de um trabalho árduo e sistemático desenvolvido por Adrià e por seu irmão Alberto durante os seis meses do ano em que o restaurante está fechado: nessa época eles e sua equipe se encerram em seu "taller" (oficina) de Barcelona, espécie de laboratório onde realizam novas experiências, que resultam na invenção de pratos.
Ali nasceram as espumas quentes de água do mar, o pó de foie gras e outras surpresas. Tudo isso termina na boca dos poucos privilegiados que conseguem uma mesa para o jantar (não muito cara, aliás: algo como US$ 100, bem razoável para um restaurante de três estrelas no guia Michelin).
"Recebo aqui 8.800 pessoas por ano. Mas recebo também milhares de pedidos de reserva que não posso atender", disse Adrià. "Como o meu restaurante não pode ser maior, e não quero que ele seja maior, pensei em como fazer minha filosofia chegar a mais gente", diz o chef catalão de 45 anos, há 20 no restaurante, onde começou como assistente na cozinha e rapidamente chegou a proprietário.
Daí nasceu o projeto chamado "El Bulli vírus". Uma forma de propagar os conceitos do chef, mas não na forma de restaurantes iguais ao seu, já que ele considera que seu estabelecimento na Catalunha não pode ser reproduzido.
A solução encontrada: os "hospedeiros do vírus" serão hotéis. "Gosto muito de hotéis, e há muitos que trazem grande conforto, mas custam US$ 1.000 dólares por dia. Então achei que devíamos fazer algo novo para os hotéis urbanos, de três ou de quatro estrelas."
Como esses hotéis costumam ser frios e burocráticos, Adrià imaginou algo que pudesse ser aconchegante para o viajante. "Um dos lugares onde o viajante fica mais à vontade é a sala vip do aeroporto. Fica lendo, vendo televisão, beliscando alguma coisa... Pensei em fazer uma espécie de biblioteca lúdica, como uma casa, bem tranqüila. Pretendo implantar isso nuns 50 hotéis em vários países, e o Brasil é um deles."
As primeiras experiências começam ainda este ano, na Espanha mesmo. Adrià criou os espaços que ele chama de "nhube", uma referência a "nube" (nuvem). Sua intenção é revolucionar a idéia clássica de restaurante ao realizar "uma combinação de ócio, restauração e descanso", reunindo num mesmo espaço as idéias de restaurante, sala de estar, bar, biblioteca e mesmo cozinha.
Segundo Adrià, nesses espaços a comida terá pratos triviais e outros sofisticados, mas sempre marcados pela simplicidade: "prefiro a melhor batata a uma lagosta que seja apenas regular". Haverá garçons, mas cada gourmet poderá também se servir. Até cozinhar. "Depende do que queira nosso cliente", diz o chef.
Os dois primeiros espaços "nhube" serão em Madri e Bilbao. Depois, Brasil. "Só não sabemos ainda onde. Tenho pessoas que estão procurando o local. Só sei que tem de ser mágico; se não, não pode ter um "Bulli vírus"."
(JOSIMAR MELO)


EL BULLI. Onde: Cala Montjoi, Ap. 30, Roses, Espanha, tel. 00/xx/34/972-15-04-57. Na internet: www.elbulli.com.



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