São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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Informatização ajuda no controle das editoras

ARTICULISTA DA FOLHA

Há uma história simbólica, que faz parte de um dos muitos folclores do mercado editorial brasileiro. O escritor João Antônio ("Malagueta, Perus e Bacanaço") tentava receber os direitos autorais na sala do editor Ênio Silveira (Civilização Brasileira). "Sou comunista, estou sem dinheiro, vou falir se te pagar", disse o editor.
O autor subiu na mesa de Silveira e o ameaçou de morte: "Se és mesmo comunista, deverias ter pena de mim, que passo fome".
Há dois momentos distintos no mercado editorial brasileiro. No primeiro, escrever era quase um hobby ou uma missão. A partir dos anos 80, os escritores se perguntavam por que não viver do ofício, se existe um mercado. O profissionalismo foi inevitável. O controle dos direitos autorais passou a ser uma regra fundamental da relação editor-escritor.
Lucia Riff, agente literária, afirma que o setor de livro deve ter lá seus desonestos, mas ela acredita que sejam poucos.
"A não ser que tenha um motivo para desconfiar, confio nos números que me mandam. Eu parto do princípio de que, neste setor, a desonestidade não compensa, e o editor não sério não vai pra frente."
"A reputação de uma editora é tudo. Boa parte dos bons autores e contratos chegam por indicação de amigos, por dicas de autores da casa, por oferecimento de agentes e editores estrangeiros."
Riff lembra que existem casos isolados de autores que foram parar na Justiça contra seus editores. "Mas são casos avulsos, e não a prática do mercado. Tive mais problema com inadimplências, desistências ou abandono de projetos por conta de questões financeiras do que problemas de desonestidade explícita."
"Depois da informatização, acredito mais no controle do sistema das editoras. Primeiro, vem o meu pedido. Depois, a nota fiscal da gráfica. Com o demonstrativo do direito autoral, o autor teria controle de tudo", afirma Luiz Schwarcz.
Segundo o editor da Companhia das Letras , para uma editora roubar, teria de burlar o sistema. "Sai mais caro burlar o autor, burlando o sistema operacional, do que pagar direito."
Fernando Bonassi tem livros, como "Passaporte", espalhados por oito editoras. Ele já desconfiou de números enviados por um editor e se sentiu roubado.
"Um editor vendeu três obras minhas para um varejão e não me pagou. Ele foi desonesto comigo e desapareceu. Sua editora acabou falindo. Acho que, quando um autor vende muito, rouba-se menos, quando vende pouco, eles roubam."
Luis Fernando Emediato lembra que montou a sua própria editora quando descobriu que estava sendo passado pra trás.
"Nos anos 80, o Ministério da Educação encomendou 50 mil exemplares de um livro infantil meu, enquanto meu editor me afirmava que eram 5.000. Soube por fora, rompi o contrato, imprimi por conta própria e vendi tudo. Minha primeira editora nasceu da fraude de um editor."
Ele diz ainda que já soube de fraudes cometidas por editoras brasileiras tradicionais contra autores estrangeiros. "Os agentes internacionais sabem disso, já pedem um adiantamento grande, porque têm intimidades com o nosso mercado."
O escritor José Roberto Torero ("Os Vermes") diz que confia nos números enviados pela editora, mas confere. "Já houve caso de escritor que tentou investigar a fundo os números enviados pelos editores, mas não houve comprovação de nada", afirma.
Alex Antunes ("A Estratégia de Lilith") conta que está no primeiro livro, e que ainda é fácil acompanhar os números de perto. Ele não teve motivos de desconfiança. "Já ouvi boatos bem insistentes [de editoras que fraudam". Não devo mencionar quais, mas soaram extremamente plausíveis", afirma. (MRP)


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