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CINEMA/ESTRÉIA
"BICICLETAS DE PEQUIM"
Longa expõe o país entre comunismo e capitalismo
Desejos e conflitos emergem na estranha nova China
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Crescemos ouvindo falar
das bicicletas de Pequim,
vendo fotos das ruas povoadas de
bicicletas etc. Pois bem, "Bicicletas de Pequim", filme de Wang
Xiaoshuai, tem algo de novo a nos
dizer sobre elas e sobre a cidade.
Em primeiro lugar, elas já não
reinam absolutas nas ruas e, embora tratadas com civilidade, dividem espaço com um número bastante considerável de automóveis.
A informação contida nessa notação é vasta. Na Pequim de hoje,
não há mais retratos de Mao, o velho comunismo puro e duro de
outros tempos cede lugar a uma
vida metropolitana movimentada
e as diferenças de classe que, se
parecem brincadeira comparadas
ao Brasil, por exemplo, existem.
Elas ficam claras na história do
jovem Guei, interiorano que consegue um emprego de entregador
na capital, mas depois de algum
tempo tem a sua bicicleta roubada. Um tanto burro, mas tenaz,
Guei parte atrás de seu veículo (e,
portanto, de seu emprego).
Topa um dia com a bicicleta nas
mãos de Jian, um estudante que
não a roubou, mas a comprou do
ladrão. Daí surge o conflito, que
Xiaoshuai leva com brio, pois, se o
espectador é convidado a partilhar o drama de Guei, em seguida
é introduzido ao "outro lado", o
de Jian. Este não roubou a bicicleta, mas roubou dinheiro do pai
para comprá-la. Possuir uma bicicleta é, para ele, um modo de se
integrar à turma, ter namorada
etc, um apanágio de classe social.
E assim Xiaoshuai nos introduz
não à luta de classes, mas ao estranho novo Estado chinês, onde há
patrões e empregados, onde funcionárias podem roubar roupas
da patroa e dar a impressão de
que compõem a classe favorecida.
É nesse novo mundo que o mal
se instala. Jian é o agente mais evidente do mal. Mas Xiaoshuai observa-o não como sinal de deterioração das relações nesse Estado híbrido, que guarda do capitalismo as desigualdades e do comunismo a tendência repressiva,
mas como uma espécie de fatalidade a que está sujeita a humanidade: uma bicicleta ou um par de
sapatos podem despertar o mal.
A humildade do objeto desejado não importa, e sim o desejo, a
cobiça de que está investido. Assim, o filme dá a impressão de
mostrar as transformações sociais
e seus conflitos, na China progressista da virada de século, bem
mais do que julgá-las. Estamos
longe do paraíso um dia prometido pelos comunistas, mas não estamos no inferno. Xiaoshuai não
idealiza os homens: eles mentem,
roubam, destroem. Não há regime político, paz social ou progresso que nos altere profundamente.
Uma visada pessimista, sem dúvida, mas ajuda a afirmar a inquietação e a vitalidade que movem o cinema chinês contemporâneo -e aqui não há como distinguir China continental, Taiwan
ou Hong Kong: vale para todos.
Bicicletas de Pequim
Beijing Bicycle
Produção: China/Taiwan/França, 2001
Direção: Wang Xiaoshuai
Com: Lin Cui, Xun Zhou, Yuanyuan Gao
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco 1,
em São Paulo
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