São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
Atores, bailarinos e músicos se empolgam durante o aquecimento vocal, minutos antes de entrar em cena no musical


Como São Paulo vira CHICAGO

"Merda! Merda! Merda!", diz Danielle Winits durante o último ensaio antes da estréia de "Chicago", dia 28, só para convidados, em São Paulo. Três minutos depois, ela repete, baixinho: "Merda! Merda! Merda!". O termo é usado no teatro para desejar "boa sorte" antes de um espetáculo. Danielle repete a expressão mais de seis vezes seguidas, nos intervalos das cenas ensaiadas.

 

O diretor norte-americano Scott Faris reclama: "The sound was too loud [o som estava muito alto]". O espetáculo funciona como uma espécie de franquia, e Faris viaja a qualquer lugar do mundo onde ele seja montado. Já esteve na Austrália, na Holanda, na Rússia e no México para treinar o elenco e garantir que tudo seja igualzinho ao espetáculo original, da Broadway, nos EUA. E dá ordens em inglês. Só em inglês.
 

O ensaio prossegue. Os 24 atores-bailarinos e os 15 músicos estão todos no palco para os ajustes finais. Daniel Boaventura, um dos protagonistas, demora muito em uma das falas. Mais uma interrupção. Outra cena e, desta vez, é Adriana Garambone, que encarna a personagem principal, Roxie Hart, quem pede uma parada. "Ainda não estava pronta. Sorry", diz.
 

Adriana e Winits, de chapéu côco, repassam uma de suas músicas, e o ensaio termina. Faris reúne o elenco todo mais uma vez no palco para a última reunião. No dia seguinte ele voltaria aos EUA com o coreógrafo Gary Chryst e o supervisor musical Vincent Fanuele. Os três passaram os últimos dois meses no comando dos ensaios, com a diretora brasileira Tânia Nardini. O clima é de despedida. "Hoje choramos muito", conta Selma Reis, intérprete da carcereira Mama Morton, mais tarde, no camarim.
 

Selma é uma das únicas com camarim particular. Danielle Winits, Adriana Garambone e Daniel Boaventura também têm os seus. Os demais dividem-se em dois outros espaços, um para os homens, outro para as mulheres. Boaventura fez questão de personalizar o seu: levou de casa um sofá, para as visitas. E afixou no espelho fotos da filha, Joana, de dez meses. "Isso aqui vira uma segunda casa." Vira mesmo. Até dezembro serão cinco encenações por semana.

A rotina começa pelo menos duas horas antes das apresentações, com aquecimento físico e vocal, maquiagem, cabelo e ajustes nos figurinos. "Quase todo dia temos que consertar alguma roupa", conta Zezé de Castro, que trabalha com a irmã, Nena de Castro. Os ajustes são feitos por causa dos movimentos de dança, que às vezes acabam rasgando algumas peças.
 

Zezé e Nena têm 20 anos de estrada, mas cortaram um dobrado para garantir que cada peça do figurino fosse, como exigia a regra, igual à do "Chicago" original. Tinham, para isso, o auxílio de um fichário, chamado de "bíblia", com fotos das roupas americanas. Para garantir que tudo saísse como manda a "bíblia", as costureiras receberam de NY, Buenos Aires e Paris mais de 45 m de tecidos como os da montagem dos EUA.
 

Uma dupla de fisioterapeutas dá plantão nos bastidores. Em média, atende a cinco atores e técnicos por dia. Na quarta, com dor no joelho esquerdo, o bailarino Roberto Rocha recebeu uma massagem.
 

Duas salas adiante, quem dá plantão são as cabeleireiras Adriana Ferreira, 29, e Adriana Lima, 25, funcionárias do teatro Abril há três anos. Elas fizeram as quatro perucas do espetáculo. Moleza, dizem. Para "A Bela e a Fera", tinham que cuidar de 150 perucas. O maior sufoco foi em "Les Misérables": entre duas cenas, uma atriz deixou cair a peruca na coxia, que é bastante escura, e ninguém achava. Acionaram dez técnicos e -ufa!- encontraram a peça antes de a moça voltar ao palco.

Uma peruca pode custar até R$ 10 mil. O preço é alto porque, na maioria dos casos, os fios de cabelo e o tule que serve de suporte para eles são importados da Europa. Um quilo de cabelo não sai por menos de R$ 1.500 e dá para fazer, no máximo, três perucas.
 

O metro de tule alemão custa cerca de R$ 210. Os mais de 100 mil fios de cabelos são costurados um a um, com agulhas que custam R$ 30. A cada 15 dias, recebem tratamento como qualquer cabelo: lavagem, hidratação e tingimento. "Até chapinha", diz Adriana Ferreira, fazendo escova na peruca de Danielle Winits.
 

Às 18h, elenco e técnicos são dispensados para jantar. Têm de voltar às 19h, para o aquecimento físico, meia hora de alongamentos e movimentos para relaxar a musculatura. Adriana Garambone preferiu não comer nada. "Estou nervosa." Outra que preferiu não deixar o teatro foi a gerente de produção Almali Zraik. Ela até levou a roupa de noite e tomou banho lá mesmo. "Em noites de estréia, nunca consigo sair do teatro", explica.
 

A etapa final é o aquecimento vocal coletivo, que acontece 30 minutos antes de o espetáculo começar. Atores e músicos se encontram e fazem movimentos labiais e faciais, cantando em tons cada vez mais altos e dançando. "Le, le, le, le, lêêêê!" Ao final, dão as mãos e gritam: "Vamos lá", pedindo força. E muita, muita merda.


@ - bergamo@folhasp.com.br

COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) E CLEO GUIMARÃES



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