São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2005

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FOTOGRAFIA

Com 415 páginas, livro recém-lançado reúne quase 400 imagens do grupo feitas pelo fotógrafo holandês

Lente de Anton Corbijn revela 22 anos do U2

Anton Corbijn/Schirmer Mosel
O guitarrista The Edge à frente dos integrantes da banda U2, cuja trajetória é apresentada em livro de fotos do holandês Anton Corbijn lançado pela Schirmer Mosel

BRUNO LESPRIT
DO "MONDE"

Anton Corbijn é um holandês voador, que é preciso pegar entre dois aeroportos. Antigamente, esse fã exaltado do rock freqüentava assiduamente as salas de concertos de Londres e perseguia as bandas com sua máquina fotográfica.
Hoje, todos os músicos do planeta e um grande número de celebridades sonham com uma sessão com o fotógrafo que literalmente criou -ou metamorfoseou- a imagem de dezenas de artistas. Suas capas de discos marcaram o espírito desses últimos 20 anos: "The Joshua Tree" (U2), "Automatic for the People" (R.E.M.), "Stripped" (The Rolling Stones), "Load" (Metallica).
Ele marca um encontro no café ao lado do Museu de Arte Moderna de Haia para falar com orgulho sobre o luxuoso livro que acaba de publicar, "U2 & i", um diário em quase 400 imagens de 22 anos de colaboração entre o grupo e o artista. Uma longevidade única na indústria musical, que nasceu em Nova Orleans, em 1982.
"O livro mostra três evoluções", diz Corbijn, "a da idade, a do meu trabalho e a da atitude do U2, permitindo que esses três aspectos se encontrem." Nele descobrimos, como escreve o cantor Bono, "a passagem da inocência para a experiência" de um megagrupo, desajeitado e sério no início, megalômano e irônico na maturidade. E, mais que tudo, a construção de uma identidade visual.
Para Corbijn, os cinco meses de atividade em tempo integral que o livro exigiu se assemelham a uma terapia. Deve-se prestar atenção no título, "U2 & i". A priori, tema e fotógrafo estão situados em pé de igualdade. Mas a letra e o número da entidade superstar esmagam esse "eu" escondido atrás de uma humilde minúscula. Ao longo das páginas revela-se uma reflexão warholiana sobre a celebridade que marca a obra de Corbijn desde seu primeiro livro, "famouz" (1989), que traz na capa uma foto célebre: David Bowie vestindo um sudário de Cristo.
A dimensão religiosa é onipresente nesse criador de ícones. No entanto, ele não santifica seus clientes; revela-os com suas dúvidas e hesitações, seu lado obscuro e sua humanidade. "Eu cresci em uma aldeia numa ilha próxima a Roterdã, em um ambiente protestante onde se pregava a igualdade entre os homens", explica Corbijn, que é filho de um vigário. O rock foi a escapatória ideal. Começando pelos Beatles e o acontecimento nacional que foi, em 1964, o único concerto na Holanda dos "Fab Four", em Blokker. Corbijn tinha 9 anos, mas se lembra. Depois foram Lou Reed e David Bowie e Led Zeppelin.
Bono zombou dele, afirmando que seu sonho secreto era ser baterista. "Eu não desejava ser músico, não sei tocar nenhum instrumento. Mas queria fazer parte daquele universo. Fui completamente obcecado por esses artistas durante minha adolescência."
A fotografia lhe permitiu abordar esse continente de sonho. Corbijn entra em 1977 para a revista de música mensal "Oor", antes de tentar a sorte em Londres, dois anos depois. Torna-se um dos fotógrafos-estrelas do semanário "New Melody Express". Suas criações em preto-e-branco ou monocromáticas, em azul ou marrom, com um "goticismo" e um desfoque controlado, invadem os jornais e revistas como "Vogue", "Rolling Stone", "The Times"... e chegam à TV. "Minha fotografia mudou depois de minhas experiências com o vídeo. Antes tinha mais grão, era mais documental e jornalística. Tornou-se mais conceitual."
O fotógrafo não ignora que chegou depois da batalha. Aos 49 anos, não pôde participar da construção da lenda do rock. Quando enquadra Bob Dylan, Johnny Cash, o mito está lá antes que a foto seja feita. "Sim, mas trabalhar tanto tempo com o U2 me permitiu estar na mesma situação que fotógrafos dos anos 60, como Jim Marshall. Na época não havia marketing, os fotógrafos tinham acesso aos bastidores, os grupos eram acessíveis e abertos às experiências. Hoje há imagens demais. O mistério se evaporou. Minha fotografia tenta preservar esse mistério, sem termos necessidade de saber mais sobre a vida dos astros. O que mais temo é fotografar uma idéia, em vez de uma pessoa." U2 & i - The Photographs 1982-2004
Autor:
Anton Corbijn
Editora: Schirmer Mosel
Quanto: 110 (R$ 360; 415 págs.)
Onde encontrar: www.amazon.com

Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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