São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Wendy Guerra costura ficção e biografia com habilidade

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais intrigante do que a ilha do seriado "Lost" continua sendo a ilha de Cuba, meio século depois da revolução. Sabe-se lá como, os fenômenos culturais mais desconcertantes continuam desafiando o castrismo e emigrando, para o deleite de nosso "mundo pequeno-burguês e decadente". A última bem-vinda novidade são os romances de Wendy Guerra: "Todos se Vão" (2006) e "Nunca Fui Primeira-Dama" (2008). O primeiro está saindo no Brasil agora; o segundo foi publicado aqui em 2010.
Os leitores brasileiros tiveram a oportunidade de conhecer Wendy em carne e curvas, na Flip 2010. O encanto atrevido dessa menina de 40 anos, dizem, cativou sobretudo a ala masculina. "Todos se Vão", escrito em forma de diário, aparenta ser só mais um lamento contra o regime cubano, mas é um pouco mais do que isso. O romance denuncia, de modo geral, o fracasso da Autoridade (com inicial maiúscula).
Para a jovem Nieve Guerra, alter ego da autora, fracassaram os pais desequilibrados, os professores lobotomizados, os homens por quem se apaixonou e, é claro, o Estado opressor.

ABANDONO
"Todos se Vão" está dividido em duas partes: "Diário da Infância" (1978-1980), em que predominam a violência física e a linguagem infantil, e "Diário da Adolescência" (1986-1990), em que a violência passa a ser psicológica e o discurso é mais elaborado.
Agredida de muitas maneiras desde os 8 anos, Nieve registra tudo em cadernos secretos: "Meu diário é um luxo, meu remédio, o que me mantém de pé. Sem ele não chego aos 20 anos. Eu sou ele, ele é eu. Nós dois sentimos desconfiança."
Intensa e complicada é a relação da narradora com a mãe. Quando o pai leva a menina embora e passa a espancá-la todo dia, Nieve sente-se traída e recrimina a mãe, que não lutou por sua guarda.
Mais tarde, na adolescência, o comportamento errático da mãe provocará entre elas todo tipo de separação e aproximação. O tema da perda da mãe é tão ou mais importante, para a autora, do que o da perda das liberdades civis. A mãe-fantasma está presente em poemas e também no romance seguinte, "Nunca Fui Primeira-Dama", protagonizado por outro alter ego: Nadia Guerra.

NADIA NINGUÉM
"No ar, com vocês, a filha de todos, transmitindo do país de ninguém." Assim começa o relato de Nadia (seu nome ecoa o pronome "nadie": ninguém), num programa de rádio que, subversivo, logo é suspenso.
Nadia foi abandonada por Albis Torres, sua mãe, aos 10 anos de idade. Agora adulta, entre suas obsessões está a de reencontrá-la.
Quando isso finalmente ocorre, uma série de segredos e revelações dramáticas desestabiliza mais ainda o mundo da protagonista.
Também aqui, autobiografia e ficção se misturam para tentar a difícil reconciliação de afetos cindidos.
NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral), entre outros livros

TODOS SE VÃO
AUTORA Wendy Guerra
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Josely Vianna Baptista
QUANTO R$ 39,90 (272 págs.)
AVALIAÇÃO bom


NUNCA FUI PRIMEIRA DAMA
QUANTO R$ 44,90 (256 págs.)
AVALIAÇÃO bom



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