São Paulo, segunda, 2 de junho de 1997.



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TEATRO
"Hamlet" assume tom novelesco

da Reportagem Local

A seguir, a continuação da entrevista com o diretor Ulysses Cruz.

Folha - Como você pretende fazer um "Hamlet" acessível a todas as platéias?
Ulysses Cruz -
Vivo dizendo nos ensaios de "Hamlet" que ele tem que ser um ato de comunicação. Hamlet é um dos personagens mais queridos por todo o mundo. Existem 72 filmes a seu respeito e uma infinidade de montagens teatrais. Mas o fato é que sempre tive a pretensão de fazer um Shakespeare para todas as platéias se divertirem. Isso aconteceu com "Péricles", "Macbeth" e "Rei Lear".


"'Hamlet' é uma maravilhosa história de uma família com problemas"

Folha - Apesar de ser uma tragédia, "Hamlet" é carregada de ironia. Como você vai explorá-la?
Cruz -
"Hamlet" é uma maravilhosa história de uma família com problemas. É assim que estou fazendo essa montagem. É a história de um filho que não admite que a mãe, linda ainda, tenha casado de novo. E pior, casou com o tio. É uma família complicada, que além disso, é poderosa, são reis.
Folha - Esse tratamento serve para aproximar a história do público?
Cruz -
É, estou tratando a peça como uma história de uma família normal. Além disso é um enredo de novela de televisão, porque é uma história de vingança. De um homem que recebe a missão de vingar o próprio pai e nunca pegou em uma arma, nunca imaginou que tivesse de matar alguém.
"Hamlet" é uma maravilhosa história de um homem, do pensamento que de repente é obrigado a praticar uma ação. Ele passa as duas horas e vinte do espetáculo tentando matar o inimigo dele.
Na realidade, o problema do Hamlet é que ele pensa muito e muito bem. A qualidade de pensamento do Hamlet é tão fantástica que isso o paralisa. Não é à toa que esta é a melhor peça de teatro que já foi feita. Não tanto por sua estrutura dramatúrgica, mas pelo que ela contém.
Folha - Você concorda?
Cruz -
Conheço os clássicos porque já tive paciência de ler Ésquilo, Eurípides, toda obra de Shakespeare, ler Marlowe, e concordo. Acho que nenhuma peça conseguiu atrair a atenção do público e dizer tantas coisas que jamais esquecemos, como: "Há algo de podre no reino da Dinamarca".
Folha - Shakespeare é popular?
Cruz -
Muito. O grande problema nosso esbarra no preconceito que se criou, por uma influência nefasta dos estudiosos e dos "donos" de Shakespeare. E outro problema são as traduções ortodoxas e apegadas ao classicismo embolorado, que afastam o público. É possível traduzir Shakespeare de uma maneira contemporânea. Mas a liberdade tem limites, senão descaracteriza o autor.
Folha - Qual é a estratégia em "Hamlet"?
Cruz -
Nós não estamos fazendo pesquisa de linguagem. A única pesquisa que existe no "Hamlet" é questionando qual a melhor maneira de contar essa história. Qual o jeito mais eletrizante. Ninguém está fazendo vanguarda com "Hamlet". É uma peça para todo mundo ver. Mesmo arriscando topar com uma crítica que acha que ou facilitamos demais. Toda a vez que alguém mexe com o bardo vem toda essa carga, esse preconceito, essa censura.
Folha - Você trabalha com uma nova tradução?
Cruz -
Desde que comecei com a minha paixão por Shakespeare -com "Macbeth", com Antônio Fagundes (92)- eu criei um novo sistema de tradução. É um sistema que privilegia a fluência do texto sem perder sua poética e riqueza imagética. O texto entra no ouvido da platéia de uma maneira mais palatável e contemporânea. Este "Hamlet" tem tradução de Marcos Daud, que trabalha comigo desde "Péricles".
Folha - Você ambiciona encenar todas as peças de Shakespeare?
Cruz -
Eu tenho essa pretensão, esse plano cada vez mais maquiavélico. Para isso, quero criar um público. A platéia precisa aprender a ver Shakespeare.
Folha - Você exige disciplina do elenco?
Cruz -
Acho que Shakespeare exige o nosso melhor. Vamos ensaiar cerca de cinco meses, dez horas por dia, com uma folga por semana. É intensivo, para dedicação plena das pessoas envolvidas.
Folha - O que você achou de "Ham-let" do Zé Celso?
Cruz -
Não é o "Hamlet" original, é uma recriação, mas é brilhante do ponto de vista de vida. Você pode não concordar com o que estava lá, com a maneira dionisíaca que ele tinha, mas não podemos deixar de ver que havia vida. "Hamlet" é vida, tem de ser ao vivo, não pode ser uma exposição. O Zé fez isso. Acho que ele é um gênio. Quero produzir essa vida.
Folha - Você se acha discípulo do diretor Antunes Filho?
Cruz -
Fui três anos assistente dele e ele me ensinou que teatro tem método. Existe uma ciência por trás do teatro. Ele me ensinou a obsessão por essa quantidade de ensaios, que incluem um trabalho corporal e vocal gigantescos, a pesquisa intensa para cenários, figurinos. Isso virou um estigma na minha vida. Para mim, Zé Celso é o nosso Dionísio e Antunes, o nosso Apolo. Ambos são maravilhosos. Um é o anarquista que quer quebrar tudo, destruir tudo de uma maneira iconoclasta, contemporânea. O outro, quer construir. O Antunes quer construir o ator, o universo mágico do teatro. O teatro brasileiro ganhou credibilidade fora do país graças ao Antunes.
Folha - Você está voltando de Londres. Como está o trabalho com a atriz Vanessa Redgrave?
Cruz -
Nosso trabalho é mais longo do que todo mundo pensa. Estamos em contato, mas ainda não temos projeto definido. Originalmente ela me convidou para fazer "Timon de Atenas", mas não quero dirigi-la em um Shakespeare. Vou enviar dois argumentos de Nelson Rodrigues para ela ver: "Toda Nudez será Castigada", que acho que ela faria Geni divinamente, e "Álbum de Família". Se ela falar que interessa, vamos traduzir a peça. Ela deve vir para o Brasil no segundo semestre para ver meus ensaios e, em janeiro, eu irei a Londres.
Folha - Você tem projetos simultâneos a "Hamlet"?
Cruz -
Não, mas, no segundo semestre, quero fazer uma peça com Cleyde Yáconis e Paulo Autran, de preferência, juntos. Em novembro vou a Portugal para seguir a instalação do teatro da Companhia Seiva Trupe, do qual sou diretor residente.


"Antunes Filho me ensinou que teatro tem um método, uma ciência"

Folha - E novos projetos com Shakespeare?
Cruz -
Tenho um projeto muito grande. Vai chamar The Globe São Paulo. The Globe é o teatro de Shakespeare na Inglaterra. Quero transformar o Teatro Mars em uma referência das peças de Shakespeare, com uma companhia pequena. Durante três anos, a companhia fará seis peças de Shakespeare. A idéia é reformar o teatro em julho de 98, e a primeira peça estrearia em março de 99.
Folha - Você vai dirigir as peças?
Cruz -
Quatro delas. Vamos ter um elenco básico e montaremos peças com convidados também. Quero fazer "Antonio e Cleópatra", com Marília Pêra e o Antônio Fagundes, e "Henrique 8º", com Othon Bastos. Eles nem sabem, mas é um sonho que tenho.
Folha - Você já foi carnavalesco da Vai-Vai. Pensa em voltar a ser?
Cruz -
Ainda vou fazer o Carnaval da Mangueira. Sou fanático, adoro escola de samba. Para mim é como um cortejo teatral.




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