|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros
Agualusa se volta para os "novos portugueses"
Descendente de africanos em Portugal é a protagonista de seu sétimo romance
Ficção de viagem, "As Mulheres do Meu Pai" foi concebido durante jornada de um mês e meio que autor angolano fez pela África
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando ainda era um estudante de silvicultura e agronomia, o angolano José Eduardo
Agualusa, 46, migrou para as letras criando uma revista literária com outros estudantes africanos que viviam, como ele, em
Lisboa. Abandonou o curso
universitário -com o qual tinha o desejo de poder ajudar
seu país- para, aos 28 anos,
lançar o seu primeiro romance,
"A Conjura".
Quase 20 anos depois, Agualusa -que com freqüência se
debruçou em seu livros sobre a
realidade de seu país- lança
seu sétimo romance, em que se
volta, desta vez, para o que chama de "novos portugueses", os
descendentes de africanos que
vivem em Portugal.
"As Mulheres do Meu Pai"
narra a história da personagem
Laurentina Manso, uma documentarista que percorre a África em busca de suas raízes, reconstituindo a trajetória de seu
pai, Faustino Manso, um músico angolano que teve diversas
mulheres e legou ao mundo
mais de uma dúzia de filhos.
O romance é fruto de uma
viagem de cerca de 90 dias que
Agualusa fez no continente
africano -da capital angolana,
Luanda, à Cidade do Cabo, na
África do Sul- acompanhado
da cineasta inglesa radicada em
Moçambique Karen Boswall e
do fotógrafo de origem catalã
Jordi Burch.
Agualusa, que trabalhou como jornalista, diz que esse é um
seus livros mais jornalísticos,
"no sentido em que é um romance de viagem, uma ficção
de viagem", diz o escritor, leitor
apaixonado do gênero, sobretudo dos livros do escritor português Fernão Mendes Pinto
(1509-1583) e do inglês Bruce
Chatwin (1940-1989), autor de
"Na Patagônia", entre outros.
Os personagens principais de
"As Mulheres de Meu Pai" tiveram gênese semelhante, porém
distinta. Para construir Faustino Manso, Agualusa se inspirou em um músico angolano
que conheceu, Raúl Indipwo
(1933-2006), que esteve à frente do Duo Ouro Negro, segundo
ele o primeiro grupo africano a
ter reconhecimento internacional, entre os anos 50 e 60.
Já para Laurentina, o autor
angolano fez um mosaico das
mulheres de origem africana
que conheceu em Portugal, algumas delas presentes no livro-reportagem "Lisboa Africana",
de 2003, que fez em parceria
com os jornalistas Fernando
Semedo e Elza Rocha.
Laurentina tem uma preocupação de saber de onde veio, está à procura de seu lugar no
mundo e sua viagem é de iniciação. A personagem é uma espécie de síntese dos portugueses
de origem africana que Agualusa aponta como realidade nova
em Portugal.
"Realidade nova é modo de
dizer, porque havia uma população negra em Portugal até o
século 19. Mas depois ela desapareceu e voltou a existir de
forma significativa, com força,
depois das independências, a
partir de 1975", conta Agualusa.
"Então hoje você tem descendentes de imigrantes refugiados, que vieram para Portugal, são portugueses, mas questionam seu papel no país. Nesse
livro, essa questão está colocada mais do que a da identidade
angolana, presente com mais
força nos meus outros livros."
Guião
Agualusa conta que a viagem
à África surgiu de uma conversa com Boswall, que propôs a
ele escrever um "guião" (roteiro, em português lusitano) sobre a questão feminina na África. Também saxofonista numa
grande banda em Moçambique,
Boswall queria ainda que a história tivesse "algo a ver com
música".
"A idéia para o roteiro era fazer uma história sobre a condição da mulher, mostrando outra imagem da África, que não é
somente a da violência, da
guerra, que sem dúvida existe.
Mas também queríamos apresentar outra África, no sul, austral, que está presente no livro
com sua grande vitalidade cultural, expressa sobretudo através da música", conta o escritor, que decidiu escrever primeiro o romance e, depois, o
roteiro. Ele já tem em mãos
uma primeira versão da adaptação. As filmagens, diz ele, devem acontecer neste ano.
Magia
Ao binômio mulher e música,
Agualusa juntou mestiçagem,
culturas mestiças e magia, elementos, ressalta ele, presentes
em toda a realidade africana,
em seu do cotidiano.
"Gabriel García Márquez
certa vez falou de uma viagem a
Angola, quando se sentiu como
regressando à infância. Ele percebeu que tudo isso que se chama de realismo mágico, que
marca seus livros, vem de Angola e da África e está na América Latina, na Colômbia e em zonas rurais do Brasil, sobretudo
no Brasil mais africano."
Texto Anterior: Manuel da Costa Pinto: A "glasnost" da poesia soviética Próximo Texto: Frase Índice
|