São Paulo, sábado, 02 de junho de 2007

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Livros

Agualusa se volta para os "novos portugueses"

Descendente de africanos em Portugal é a protagonista de seu sétimo romance

Ficção de viagem, "As Mulheres do Meu Pai" foi concebido durante jornada de um mês e meio que autor angolano fez pela África


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando ainda era um estudante de silvicultura e agronomia, o angolano José Eduardo Agualusa, 46, migrou para as letras criando uma revista literária com outros estudantes africanos que viviam, como ele, em Lisboa. Abandonou o curso universitário -com o qual tinha o desejo de poder ajudar seu país- para, aos 28 anos, lançar o seu primeiro romance, "A Conjura".
Quase 20 anos depois, Agualusa -que com freqüência se debruçou em seu livros sobre a realidade de seu país- lança seu sétimo romance, em que se volta, desta vez, para o que chama de "novos portugueses", os descendentes de africanos que vivem em Portugal.
"As Mulheres do Meu Pai" narra a história da personagem Laurentina Manso, uma documentarista que percorre a África em busca de suas raízes, reconstituindo a trajetória de seu pai, Faustino Manso, um músico angolano que teve diversas mulheres e legou ao mundo mais de uma dúzia de filhos.
O romance é fruto de uma viagem de cerca de 90 dias que Agualusa fez no continente africano -da capital angolana, Luanda, à Cidade do Cabo, na África do Sul- acompanhado da cineasta inglesa radicada em Moçambique Karen Boswall e do fotógrafo de origem catalã Jordi Burch.
Agualusa, que trabalhou como jornalista, diz que esse é um seus livros mais jornalísticos, "no sentido em que é um romance de viagem, uma ficção de viagem", diz o escritor, leitor apaixonado do gênero, sobretudo dos livros do escritor português Fernão Mendes Pinto (1509-1583) e do inglês Bruce Chatwin (1940-1989), autor de "Na Patagônia", entre outros.
Os personagens principais de "As Mulheres de Meu Pai" tiveram gênese semelhante, porém distinta. Para construir Faustino Manso, Agualusa se inspirou em um músico angolano que conheceu, Raúl Indipwo (1933-2006), que esteve à frente do Duo Ouro Negro, segundo ele o primeiro grupo africano a ter reconhecimento internacional, entre os anos 50 e 60.
Já para Laurentina, o autor angolano fez um mosaico das mulheres de origem africana que conheceu em Portugal, algumas delas presentes no livro-reportagem "Lisboa Africana", de 2003, que fez em parceria com os jornalistas Fernando Semedo e Elza Rocha.
Laurentina tem uma preocupação de saber de onde veio, está à procura de seu lugar no mundo e sua viagem é de iniciação. A personagem é uma espécie de síntese dos portugueses de origem africana que Agualusa aponta como realidade nova em Portugal.
"Realidade nova é modo de dizer, porque havia uma população negra em Portugal até o século 19. Mas depois ela desapareceu e voltou a existir de forma significativa, com força, depois das independências, a partir de 1975", conta Agualusa.
"Então hoje você tem descendentes de imigrantes refugiados, que vieram para Portugal, são portugueses, mas questionam seu papel no país. Nesse livro, essa questão está colocada mais do que a da identidade angolana, presente com mais força nos meus outros livros."

Guião
Agualusa conta que a viagem à África surgiu de uma conversa com Boswall, que propôs a ele escrever um "guião" (roteiro, em português lusitano) sobre a questão feminina na África. Também saxofonista numa grande banda em Moçambique, Boswall queria ainda que a história tivesse "algo a ver com música".
"A idéia para o roteiro era fazer uma história sobre a condição da mulher, mostrando outra imagem da África, que não é somente a da violência, da guerra, que sem dúvida existe. Mas também queríamos apresentar outra África, no sul, austral, que está presente no livro com sua grande vitalidade cultural, expressa sobretudo através da música", conta o escritor, que decidiu escrever primeiro o romance e, depois, o roteiro. Ele já tem em mãos uma primeira versão da adaptação. As filmagens, diz ele, devem acontecer neste ano.

Magia
Ao binômio mulher e música, Agualusa juntou mestiçagem, culturas mestiças e magia, elementos, ressalta ele, presentes em toda a realidade africana, em seu do cotidiano.
"Gabriel García Márquez certa vez falou de uma viagem a Angola, quando se sentiu como regressando à infância. Ele percebeu que tudo isso que se chama de realismo mágico, que marca seus livros, vem de Angola e da África e está na América Latina, na Colômbia e em zonas rurais do Brasil, sobretudo no Brasil mais africano."


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