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MANUEL DA COSTA PINTO
A "glasnost" da poesia soviética
O trabalho se compara, em importância, ao resgate que os musicólogos vem fazendo de compositores soviéticos
QUANDO MIKHAIL Gorbachev
deu início ao processo de redemocratização da União
Soviética, nos anos 80, entrou em
circulação na imprensa internacional o termo "glasnost", que significa
"transparência".
Passados mais de 15 anos do fim
do império comunista, porém, a
produção artística do período que
vai da Revolução de 1917 às variantes de totalitarismo capitaneadas
por Stálin, Kruschev e Brejnev ainda
é um continente opaco.
Daí a importância da publicação
de "Poesia Soviética", antologia organizada e traduzida por Lauro
Machado Coelho, com uma generosa seleção de poemas de 24 escritores que, em sua imensa maioria,
sofreram perseguição política e censura estatal.
O trabalho se compara, em importância, ao resgate que os musicólogos vêm fazendo de compositores
soviéticos como Alfred Schnittke e
Galina Ustvolskaya. E o paralelo é
pertinente, pois Machado Coelho
também é conhecido como crítico
musical, autor de uma biografia de
Dmitri Shostakóvitch e da coleção
"História da Ópera" (editora Perspectiva), que inclui o volume "A
Ópera na Rússia".
Em "Poesia Soviética", ele enfrenta duplo desafio. De um lado, identificar uma produção literária que se
fazia de modo quase clandestino e
não teve recepção crítica ampla. De
outro, a dificuldade de recriar em
português a poesia escrita no idioma
russo -tarefa cuja avaliação caberá
aos especialistas.
Graças a tradutores como Boris
Schnaiderman e Aurora Bernardini,
a poesia russa do século 20 teve boa
difusão no Brasil, mas está associada
a autores como Vladimir Maiakóvski, Marina Tsvetáieva, Ossip Mandelstam e Anna Akhmátova (de
quem Machado Coelho publicou
uma coletânea de poemas).
Tais poetas pertencem a um momento de transição entre o universo
da Rússia czarista e a era soviética.
No caso da presente antologia, ao
contrário, praticamente todos nasceram às vésperas ou logo após a
revolução comunista.
Nomes como Nikolái Zabolótski
(1903-1958) e Novella Matvêieva
(1934), por exemplo, surgiram em
décadas diferentes -mas à sombra
do "realismo socialista", do catecismo estético que Machado Coelho
analisa no abrangente ensaio introdutório do livro, reconstituindo a
história da União Soviética.
Num volume de proporção monumental, há muita poesia narrativa,
um lirismo ingênuo cuja relevância
se deve sobretudo ao martírio dos
autores. Alguns capítulos, contudo,
constituem pequenos livros dentro
do livro -e adquirem essa dimensão
por conta do olhar do antologista,
que soube dar o devido espaço a poetas notáveis.
O "nonsense" dos poemas em prosa de Daníil Kharms ("versão russa
dos dadaístas franceses"), a ironia
erudita de Andrêi Vozniessiênski e
Iósif Bródski (prêmio Nobel de
1987), a mística apocalíptica de Arsênyi Tarkóvski (pai do cineasta Andrêi Tarkóvski) e o lirismo súplice
de Natália Gorbaniévskaia são pontos luminosos na longa noite soviética.
POESIA SOVIÉTICA
Autor: Lauro Machado Coelho
Editora: Algol
Quanto: R$ 68 (656 págs.)
Avaliação: ótimo
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