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DVD/LANÇAMENTOS
Belo, o filme "Dias de Nietzsche em Turim" trata de um dos filósofos mais difíceis de penetrar
Júlio Bressane faz cinefilosofia aborrecida
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
Gosto de Nietzsche e tolero
bem filmes-cabeça, o que me
deveria converter em vítima ideal
para aplaudir "Dias de Nietzsche
em Turim", do cineasta brasileiro
Júlio Bressane, lançado agora em
DVD. Eu bem que tentei, mas não
consegui considerar a fita senão
aborrecida. Na verdade, até o
"making of" é chato.
Se a idéia era introduzir o espectador na obra do filósofo alemão,
o filme fracassa inteiramente. Alguém que tenha apenas uma vaga
noção de quem foi Friedrich
Nietzsche (1844-1900) sairá da
exibição tão ignorante como entrou. Minto, provavelmente terminará achando que o crítico da
cultura era ainda mais biruta do
que de fato foi.
Se, por outro lado, o intento era
oferecer a quem já tem uma certa
familiaridade com o filósofo a
oportunidade de aprofundar-se
em seu universo, a película também falha. Apesar das belas imagens e da boa música -com peças do próprio Nietzsche-, os
trechos de cartas e fragmentos de
textos do filósofo recitados no filme acabam se revelando uma armadilha. Exceto para os peripatéticos e talvez para os cegos, a filosofia é para ser lida, não escutada.
A célebre passagem sobre o
eterno retorno, por exemplo, para
ser devidamente assimilada, deve
ser lida várias vezes, às vezes, palavra por palavra. É verdade que o
DVD até possibilita esse recurso,
mas não é a mesma coisa que se
debruçar sobre o texto.
Não pretendo, com essa crítica,
negar qualidades que a fita de
Bressane tem. Apesar do resultado geral algo maçante, a cena final, com Nietzsche nu dançando
dionisiacamente uma música
imaginária com a máscara da tragédia e um cacho de uvas, é um
achado. Sintetiza muito da vida e
da obra de um dos mais influentes
pensadores de todos os tempos.
Ali se reúnem simbolicamente temas como a reflexão sobre a música, o dionisíaco e o apolíneo na
tragédia grega, a crítica da moral e
a transvaloração de todos os valores. Tudo isso, é claro, temperado
pela ambivalência loucura/criatividade que marca o período que o
autor passou em Turim (1888-89).
Parte das atribulações do filme
deve ser atribuída ao próprio
Nietzsche. Trata-se, afinal, de um
dos filósofos mais difíceis de penetrar. Diferentemente de outros
autores, em que o que está escrito
é o que de fato vale, sua sedutora
prosa nem sempre traduz literalmente seu pensamento. Os jogos,
as provocações e a veia literária
freqüentemente arrancam o leitor
do bom caminho.
Nesse sentido, Nietzsche é provavelmente o autor menos indicado para a cinefilosofia. Por estranho que pareça, acho que seria
mais fácil -e quem sabe até menos chato- filmar a "Crítica da
Razão Pura" ou a "Fenomenologia do Espírito".
Dias de Nietzsche em Turim
Direção: Júlio Bressane
Produção: Brasil, 2001
Com: Fernando Eiras, Paulo José
Lançamento: Europa Filmes
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