São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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DVD/LANÇAMENTOS

Belo, o filme "Dias de Nietzsche em Turim" trata de um dos filósofos mais difíceis de penetrar

Júlio Bressane faz cinefilosofia aborrecida

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Gosto de Nietzsche e tolero bem filmes-cabeça, o que me deveria converter em vítima ideal para aplaudir "Dias de Nietzsche em Turim", do cineasta brasileiro Júlio Bressane, lançado agora em DVD. Eu bem que tentei, mas não consegui considerar a fita senão aborrecida. Na verdade, até o "making of" é chato.
Se a idéia era introduzir o espectador na obra do filósofo alemão, o filme fracassa inteiramente. Alguém que tenha apenas uma vaga noção de quem foi Friedrich Nietzsche (1844-1900) sairá da exibição tão ignorante como entrou. Minto, provavelmente terminará achando que o crítico da cultura era ainda mais biruta do que de fato foi.
Se, por outro lado, o intento era oferecer a quem já tem uma certa familiaridade com o filósofo a oportunidade de aprofundar-se em seu universo, a película também falha. Apesar das belas imagens e da boa música -com peças do próprio Nietzsche-, os trechos de cartas e fragmentos de textos do filósofo recitados no filme acabam se revelando uma armadilha. Exceto para os peripatéticos e talvez para os cegos, a filosofia é para ser lida, não escutada.
A célebre passagem sobre o eterno retorno, por exemplo, para ser devidamente assimilada, deve ser lida várias vezes, às vezes, palavra por palavra. É verdade que o DVD até possibilita esse recurso, mas não é a mesma coisa que se debruçar sobre o texto.
Não pretendo, com essa crítica, negar qualidades que a fita de Bressane tem. Apesar do resultado geral algo maçante, a cena final, com Nietzsche nu dançando dionisiacamente uma música imaginária com a máscara da tragédia e um cacho de uvas, é um achado. Sintetiza muito da vida e da obra de um dos mais influentes pensadores de todos os tempos. Ali se reúnem simbolicamente temas como a reflexão sobre a música, o dionisíaco e o apolíneo na tragédia grega, a crítica da moral e a transvaloração de todos os valores. Tudo isso, é claro, temperado pela ambivalência loucura/criatividade que marca o período que o autor passou em Turim (1888-89).
Parte das atribulações do filme deve ser atribuída ao próprio Nietzsche. Trata-se, afinal, de um dos filósofos mais difíceis de penetrar. Diferentemente de outros autores, em que o que está escrito é o que de fato vale, sua sedutora prosa nem sempre traduz literalmente seu pensamento. Os jogos, as provocações e a veia literária freqüentemente arrancam o leitor do bom caminho.
Nesse sentido, Nietzsche é provavelmente o autor menos indicado para a cinefilosofia. Por estranho que pareça, acho que seria mais fácil -e quem sabe até menos chato- filmar a "Crítica da Razão Pura" ou a "Fenomenologia do Espírito".


Dias de Nietzsche em Turim
 
Direção: Júlio Bressane
Produção: Brasil, 2001
Com: Fernando Eiras, Paulo José
Lançamento: Europa Filmes



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