São Paulo, sexta-feira, 02 de julho de 2004

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"ADANGGAMAN"

Diretor africano adiciona matizes ao retrato da escravidão negra

DENISE MOTA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

"Adanggaman" mostra do que se ocupará desde a primeira cena: um homem negro é aprisionado, silenciado por amarras de ferro, tornado coisa, coberto por uma rede como um dos peixes que costumava pescar em sua aldeia. As mãos que o detêm e que o condenam a uma vida de humilhações são -também elas- negras.
É o século 17 e claramente é de escravidão que o marfinense Roger Gnoan M'Bala quer falar, sem perda de tempo. Ele chega aqui ao seu quinto longa numa trajetória pontuada por narrativas mais leves e satíricas. "Adanggaman" representa uma mudança nesse caminho. Não há sorriso possível.
O filme pôs M'Bala no centro de interpretações de que seu longa se trataria ora de instrumento para enfraquecer a luta dos negros (leia-se "afro-americanos") por reparações financeiras pela escravidão, ora como chamado para que a servidão africana seja entendida como fruto de ambições brancas, mas também negras.
O diretor retoma trilha aberta há mais de 20 anos por cineastas como o senegalês Ousemane Sembene, que em "Ceddo" (1977) já apresentava africanos e europeus como sócios no funesto negócio do tráfico.
Em "Adanggaman", o jovem Ossei se nega a cumprir ordem do pai para que se case com a escolhida da família. Foge de sua aldeia, a tempo, porém, de assistir à invasão do povoado e à morte de familiares pelo rei Adanggaman, que torna escravos os sobreviventes. Os guerreiros do invasor são amazonas que chicoteiam os prisioneiros e os chamam de "bestas fedorentas", "sujos", "macacos".
A visão é assustadoramente familiar -é mais ou menos como ver policiais, muitas vezes negros, achacando jovens negros nas ruas brasileiras porque "suspeitosamente" dirigem carros de luxo.
Se é notável a eloqüência de idéias de seu filme, M'Bala não se presta contudo à tolice de relativizar o futuro miserável que o tráfico reservou à África.
O que faz é introduzir vistosas pinceladas de cinza no retrato da escravidão, assunto que, ao menos no cinema, costuma ser tratado apenas na contraposição entre o branco e o negro.


Adanggaman
Idem
  
Direção: Roger Gnoan M'Bala
Produção: Costa do Marfim/França/Itália, 1998
Com: Rasmane Ouedraogo
Quando: a partir de hoje no Cinesesc



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