São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Poderoso chefão

Com um recorde de 14 estrelas concedidas pelo prestigioso guia "Michelin", Alain Ducasse defende uma culinária sem excessos e inicia estudo para criar refeições projetadas para viagens espaciais

TERRY DURACK
DO "INDEPENDENT"

Você já deve ter ouvido falar do restaurante de três estrelas e do hotel de cinco estrelas.
Agora vai conhecer o chef de 14 estrelas. Prestes a completar 50 anos, Alain Ducasse já acumula tantas estrelas Michelin que poderia formar sua própria constelação. Quando tinha 33 anos, tornou-se o chef mais jovem da história a ter conquistado três. Dezesseis anos depois, o guia "Michelin 2006" conferiu três estrelas a seu restaurante no Essex House, em Nova York, fazendo dele o primeiro chef a dirigir simultaneamente três estabelecimentos prestigiados com três estrelas -os outros dois são o Le Louis XV, em Monte Carlo, e o Alain Ducasse no Hotel Plaza Athénée, em Paris. Somem-se outros cinco restaurantes de uma estrela -quatro na França e um em Mônaco-, e o total de estrelas de Ducasse chega a 14. Ao mesmo tempo, ele já ergueu uma rede de hotéis, restaurantes e bistrôs que se estende de Las Vegas a Tóquio.
A obsessão de Ducasse em fazer o máximo possível de coisas caberem em sua vida tem sua origem em 1984, quando ele sofreu um acidente de avião enquanto viajava a Courchevel, nos Alpes franceses. O avião se chocou com uma montanha, matando quatro colegas de Ducasse. Ele, porém, foi atirado para fora da cabine e sobreviveu. "Isso me ajudou a compreender o que é importante e o que não é", diz. "Me ensinou a me afastar da cozinha e abrir meus olhos para a imensidão do mundo."
Vestido com elegância impecável, Ducasse mais parece um diplomata, um empreendedor global ou um executivo-chefe de grande empresa do que um chef. É claro que, na realidade, ele é as quatro coisas numa só pessoa. Ele se mostra calmo e confiante na superfície, mas suas unhas parecem ser profundamente roídas. "Não sou estressado", disse certa vez à revista "Fortune". "Prefiro estressar as outras pessoas."
Ducasse passou a infância na fazenda de seus pais em Castelsarrasin, no sudoeste da França. "Quando você cresce perto de galinhas, jardins e feiras, não pode deixar de criar uma afinidade com alimentos de qualidade", diz. Aos 12 anos, decidiu que queria ser cozinheiro, possivelmente inspirado por sua avó. Aos 16, Ducasse iniciou seu aprendizado num restaurante local, mas foi apenas quando foi trabalhar com Alain Chapel que começou a vislumbrar qual seria seu destino. Até hoje ele se refere a Chapel como seu mestre espiritual. "Chapel me ensinou a honrar e respeitar os alimentos básicos e a apresentá-los aos clientes em seu estado mais puro e perfeito."

Sem excessos
Transferido para a Côte d'Azur, Ducasse se tornou o chef do restaurante do Hotel Juana, em Juans-les-Pins, onde, em 1985, foi agraciado com duas estrelas Michelin. Dois anos mais tarde, foi procurado pelo Hotel de Paris com a oferta de assumir o requintado restaurante Louis XV. Num ato de ousadia aparentemente tola, ele concordou com uma cláusula do contrato que previa que conquistaria três estrelas Michelin em quatro anos -tarefa quase impossível. Ele a cumpriu em três. E o fez enxugando a "haute cuisine" francesa e destituindo-a de muitos excessos. Há menos creme fresco e manteiga em sua culinária, que dá ênfase a temperos simples como o azeite de oliva extravirgem, limão e ervas. "Se minha culinária tivesse que ser definida por um sabor apenas, seria aquele do azeite de oliva extravirgem sutil e aromático", diz. "Para que esconder o sabor de vegetais recém-colhidos sob um molho pesado?"
Alguns críticos da época censuraram seu apreço pelos sabores mediterrâneos rústicos, mas as forças da transformação estavam de seu lado. Então, quando o jovem chef se transferiu para o restaurante parisiense de três estrelas previamente ocupado pelo grande Joël Robuchon, a censura voltou a entrar em ação diante do que os críticos interpretaram como ato audacioso de um oportunista. Mas o restaurante Alain Ducasse precisou de apenas oito meses para conquistar suas três estrelas.
Quando ele transferiu seu restaurante parisiense para o hotel Plaza Athénée, em 2000, o "Michelin" o agraciou com sua mais alta honraria depois de menos de cinco meses de funcionamento. Mas nem tudo foram boas notícias. Ao mesmo tempo, o guia retirou uma estrela do Le Louis XV, apesar do fato de o chef, o cardápio, os garçons e os padrões da casa terem permanecido inalterados.
Ducasse acredita que o objetivo foi lhe enviar um aviso para que desacelerasse seu ritmo e que o rebaixamento não refletiu uma apreciação negativa do Le Louis XV. "Se o guia "Michelin" fosse o único do mundo, então suponho que isso teria sido preocupante. Mas não é", diz.
Apesar disso, quando a terceira estrela foi devolvida à casa, em 2003, ele admite ter sentido que uma injustiça tinha sido corrigida.

Livros, hotéis, loja...
Não se sabe bem como, Ducasse também encontrou tempo para adquirir três hotéis rurais, um na Provença, um no País Basco e um na Toscana.
Ele também é presidente do grupo hoteleiro Châteaux et Hôtels de France e preside um centro de treinamento industrial, uma escola de culinária e uma editora, a Les Editions d'Alain Ducasse. E será que me esqueci de dizer que ele escreveu 16 livros de receitas e abriu uma loja de comida on-line (www.ducasse-online.com)?
Aventurando-se no desconhecido, Ducasse vem trabalhando com a Agência Espacial Européia para criar refeições embaladas a vácuo projetadas para condições extremas tais como as viagens espaciais, ao mesmo tempo em que cria receitas baseadas em nove ingredientes que a agência acredita que poderiam ser cultivados em estufas em Marte. Ele deve saber que dentro em pouco vão se esgotar suas oportunidades de conseguir mais estrelas Michelin aqui na Terra.


Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Quarta temporada sai em caixa com três DVDs
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.