São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2007

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Senhora vanguarda

Após 35 anos, Jocy de Oliveira, 71, retorna ao Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão como compositora-residente; curitibana questiona o rótulo "experimental" nos dias de hoje, mas terá obras de estrutura não-linear executadas no evento e lançadas em caixa com DVDs

Ana Carolina Fernandes - 25.jun.2007/Folha Imagem
A compositora e pianista Jocy de Oliveira, em sua casa no Leblon, no Rio


IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ela conheceu pessoalmente alguns dos papas da música do século 20, como John Cage, Karlheinz Stockhausen, Luciano Berio e Olivier Messiaen. Como pianista, apresentou-se sob regência de ninguém menos que Igor Stravinski.
Dona de um estilo antiacadêmico e experimental, a curitibana Jocy de Oliveira, 71, é a compositora-residente do 38º Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, que vai de 7 a 29 e tem como tema a mulher (leia abaixo).
"A década de 60 representou, sem dúvida, um retorno ao espírito dadaísta, talvez como reflexo de um momento de revolução social, cultural", diz. "Assim, para mim, nos meus 20 anos, aquela década foi como um divisor de águas, um período crucial, estimulante, que influiu profundamente no caminho que escolheria como pianista e no meu processo criativo como compositora."
Menina-prodígio, Jocy se apresentou no Municipal de São Paulo aos sete anos. Foi na década de 60, vivendo nos EUA, que ela conheceu Cage, Berio e Stockhausen e executou o "Capriccio" de Stravinski para piano e orquestra, sob a batuta do compositor.
Mais tarde, Jocy ainda ficaria sete anos sob orientação do francês Olivier Messiaen, produzindo gravações elogiadas de seus principais ciclos para piano solo, como "Vingt Regards sur l'Enfant Jesus" e "Catalogue d'Oiseaux".
Seu olhar sobre esse passado é, no entanto, crítico: "Música experimental ou vanguarda ainda existe? Acho que não", reflete. "O que existe é um somatório de pesquisas musicais, muitas vezes quase anônimas, que refletirão os nossos dias e o artista como a última utopia da criação."
Difícil, contudo, não colar o rótulo "vanguarda" nas criações mais conhecidas de Jocy -as seis óperas sintetizadas na caixa de quatro DVDs que ela deve lançar até o final do ano no espaço Oi Futuro, no Rio de Janeiro.
São espetáculos de estrutura não-linear, que fundem música e performance com recursos multimídia e que têm sido apresentados em Berlim, Munique, Dresden e Salzburgo, como "As Malibrans", "Kseni - A Estrangeira" e "Solo" -este será mostrado no festival, no dia 7 (veja destaques da programação no quadro à direita).

Mitos femininos
"Solo" trabalha mitos femininos como Ofélia, Desdêmona e Medéia e conta com a participação, em vídeo, da atriz Fernanda Montenegro, no papel da Diva. No palco, atua a soprano Gabriela Geluda, para a qual Jocy tem criado os papéis femininos de seus espetáculos nos últimos 12 anos.
"Em nenhum outro período histórico houve um tal distanciamento entre a verdadeira criação musical e o ouvinte. A integração de meios visuais, cênicos, poderá ser um caminho para diminuir esse distanciamento", preconiza. E acrescenta, em uma asserção bem ao gosto das vanguardas: "Sem concessões, é claro!".
Outra obra da compositora a ser ouvida no evento, com solo de Geluda, é "Who Cares If She Cries" (quem se importa se ela chora), que será executada no concerto de encerramento (dia 27, em Campos do Jordão, e dia 29, na Sala São Paulo), com a Orquestra Acadêmica, regida por Roberto Minczuk, diretor do festival.
De acordo com Jocy, a peça foi uma encomenda da Osesp, que, contudo, jamais a executou. A obra veio a ser estreada pela Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), sob batuta de Roberto Minczuk, no ano passado.
"O título dessa peça é retirado da letra de uma melodia anônima, elisabetana, do século 16, que se refere à Ofélia de William Shakespeare", explica. "A parte vocal é construída por pequenos eventos, citações de textos operísticos e interferências musicais ao discurso instrumental elaborado pelas cordas."
Além de ter obras tocadas durante o evento, Jocy ainda trabalha com os alunos de composição do festival -ao qual ela está voltando, depois de 35 anos. A compositora foi casada com o maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996), que dirigiu o evento durante anos.
O casal teve um filho, Eleazar de Carvalho Filho, que foi presidente do BNDES e hoje preside o conselho curador da OSB, orquestra da qual Minczuk é o diretor artístico.
"Quando estive no festival, em 72, ainda não estava separada do Eleazar", conta a compositora. "Mas, logo em seguida, após o divórcio, por imposição dele, eu nunca mais pude participar de nenhum evento ligado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo."
Ela não nega a importância do regente em sua formação artística. "Quando me casei com Eleazar, eu ainda era adolescente. É, portanto, natural que ele tenha exercido um papel de guia, de mestre da maior importância na minha vida musical. Aprendi muito com ele. Aprendi a ter um profissionalismo em todas as minhas realizações, assim como disciplina e persistência no trabalho."


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