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Senhora vanguarda
Após 35 anos, Jocy de Oliveira, 71, retorna
ao Festival Internacional
de Inverno de Campos do Jordão como compositora-residente; curitibana questiona o rótulo "experimental" nos dias de hoje, mas terá obras de estrutura não-linear executadas no evento e lançadas em caixa com DVDs
Ana Carolina Fernandes - 25.jun.2007/Folha Imagem
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A compositora e pianista Jocy de Oliveira, em sua casa no Leblon, no Rio |
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ela conheceu pessoalmente
alguns dos papas da música do
século 20, como John Cage,
Karlheinz Stockhausen, Luciano Berio e Olivier Messiaen.
Como pianista, apresentou-se
sob regência de ninguém menos que Igor Stravinski.
Dona de um estilo antiacadêmico e experimental, a curitibana Jocy de Oliveira, 71, é a
compositora-residente do 38º
Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão,
que vai de 7 a 29 e tem como tema a mulher (leia abaixo).
"A década de 60 representou,
sem dúvida, um retorno ao espírito dadaísta, talvez como reflexo de um momento de revolução social, cultural", diz. "Assim, para mim, nos meus 20
anos, aquela década foi como
um divisor de águas, um período crucial, estimulante, que influiu profundamente no caminho que escolheria como pianista e no meu processo criativo como compositora."
Menina-prodígio, Jocy se
apresentou no Municipal de
São Paulo aos sete anos. Foi na
década de 60, vivendo nos EUA,
que ela conheceu Cage, Berio e
Stockhausen e executou o "Capriccio" de Stravinski para piano e orquestra, sob a batuta do
compositor.
Mais tarde, Jocy ainda ficaria
sete anos sob orientação do
francês Olivier Messiaen, produzindo gravações elogiadas de
seus principais ciclos para piano solo, como "Vingt Regards
sur l'Enfant Jesus" e "Catalogue d'Oiseaux".
Seu olhar sobre esse passado
é, no entanto, crítico: "Música
experimental ou vanguarda
ainda existe? Acho que não",
reflete. "O que existe é um somatório de pesquisas musicais,
muitas vezes quase anônimas,
que refletirão os nossos dias e
o artista como a última utopia
da criação."
Difícil, contudo, não colar o
rótulo "vanguarda" nas criações mais conhecidas de Jocy
-as seis óperas sintetizadas na
caixa de quatro DVDs que ela
deve lançar até o final do ano
no espaço Oi Futuro, no Rio
de Janeiro.
São espetáculos de estrutura
não-linear, que fundem música
e performance com recursos
multimídia e que têm sido
apresentados em Berlim, Munique, Dresden e Salzburgo, como "As Malibrans", "Kseni - A
Estrangeira" e "Solo" -este será mostrado no festival, no dia 7
(veja destaques da programação no quadro à direita).
Mitos femininos
"Solo" trabalha mitos femininos como Ofélia, Desdêmona e
Medéia e conta com a participação, em vídeo, da atriz Fernanda Montenegro, no papel
da Diva. No palco, atua a soprano Gabriela Geluda, para a qual
Jocy tem criado os papéis femininos de seus espetáculos nos
últimos 12 anos.
"Em nenhum outro período
histórico houve um tal distanciamento entre a verdadeira
criação musical e o ouvinte. A
integração de meios visuais, cênicos, poderá ser um caminho
para diminuir esse distanciamento", preconiza. E acrescenta, em uma asserção bem ao
gosto das vanguardas: "Sem
concessões, é claro!".
Outra obra da compositora a
ser ouvida no evento, com solo
de Geluda, é "Who Cares If She
Cries" (quem se importa se ela
chora), que será executada no
concerto de encerramento (dia
27, em Campos do Jordão, e dia
29, na Sala São Paulo), com a
Orquestra Acadêmica, regida
por Roberto Minczuk, diretor
do festival.
De acordo com Jocy, a peça
foi uma encomenda da Osesp,
que, contudo, jamais a executou. A obra veio a ser estreada
pela Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), sob batuta de Roberto Minczuk, no ano passado.
"O título dessa peça é retirado da letra de uma melodia
anônima, elisabetana, do século 16, que se refere à Ofélia
de William Shakespeare", explica. "A parte vocal é construída por pequenos eventos, citações de textos operísticos e interferências musicais ao discurso instrumental elaborado
pelas cordas."
Além de ter obras tocadas
durante o evento, Jocy ainda
trabalha com os alunos de composição do festival -ao qual ela
está voltando, depois de 35
anos. A compositora foi casada
com o maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996), que dirigiu o
evento durante anos.
O casal teve um filho, Eleazar
de Carvalho Filho, que foi presidente do BNDES e hoje preside o conselho curador da OSB,
orquestra da qual Minczuk é o
diretor artístico.
"Quando estive no festival,
em 72, ainda não estava separada do Eleazar", conta a compositora. "Mas, logo em seguida,
após o divórcio, por imposição
dele, eu nunca mais pude participar de nenhum evento ligado
à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo."
Ela não nega a importância
do regente em sua formação artística. "Quando me casei com
Eleazar, eu ainda era adolescente. É, portanto, natural que
ele tenha exercido um papel de
guia, de mestre da maior importância na minha vida musical. Aprendi muito com ele.
Aprendi a ter um profissionalismo em todas as minhas realizações, assim como disciplina e
persistência no trabalho."
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