São Paulo, sábado, 02 de julho de 2011

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CRÍTICA ENSAIO

Autoridade moral é trunfo de George Orwell

Textos de coletânea fazem considerações atuais, mas tom polêmico e potencial de encantar se perderam com o tempo

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Muitos ensaios de George Orwell (1903-1950) produzem um efeito estranho. Por mais admiráveis, certeiros e corajosos que sejam, são o tipo de texto que você preferiria que "os outros" lessem, em vez de lê-los você mesmo. "Fulano deveria ouvir isso!", pensei, enquanto percorria sem grande prazer as páginas de "A Liberdade de Imprensa", por exemplo.
O texto está em "Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios", coletânea de mais de 30 artigos do autor. Com exceção do texto que lhe dá o título, o novo livro não duplica "Dentro da Baleia e Outros Ensaios", a excelente antologia organizada por Daniel Piza em 2005, também para a Companhia das Letras.
"A Liberdade de Imprensa" é um prefácio que Orwell escreveu para seu clássico "A Revolução dos Bichos" -uma violenta sátira ao regime de Stálin, rapidamente apropriada pela propaganda de direita nos tempos da Guerra Fria.
Orwell conta que, quando quis publicar o livro pela primeira vez, em 1943, muitas editoras o recusaram. A Inglaterra estava aliada à União Soviética na guerra contra Hitler, e qualquer crítica ao totalitarismo de esquerda seria "inoportuna" naquele momento.
Passados quase 70 anos, é notável como a mesma palavra -"inoportuno"- continua a fazer parte do vocabulário político, sempre que alguém procura fazer denúncias contra o "lado errado" da disputa.

ÁRBITROS
Continuam atuais, assim, as considerações de Orwell contra os árbitros do que é "oportuno" ou não: "Essas pessoas não percebem que, se incentivam os métodos totalitários, chegará o momento em que serão usados contra elas, e não a seu favor".
Como tantas outras coisas escritas por Orwell, a ideia não prima pela originalidade. Mas a grande vantagem do autor de "Como Morrem os Pobres" é que ele fala de uma posição de autoridade moral quase incontestável.
Não apenas porque viveu, ele próprio, a andança faminta dos mendigos e desempregados pela Inglaterra durante a depressão econômica dos anos 1930 ("O Albergue", "Na Prisão") ou a sorte dos doentes num hospital público francês ("Como Morrem os Pobres").
A autoridade moral de Orwell vem também de uma espécie de decência básica no seu modo de escrever, que não recua diante do que pareça simplesmente insípido em termos de adjetivação e vocabulário.
Isso traz, para o leitor de hoje, alguns inconvenientes. Embora muitos dos ensaios continuem atuais, sua carga polêmica diminuiu e seu potencial de encantamento é reduzido.
Nota-se isso particularmente quando Orwell tenta fazer prosa mais leve, como em "O Declínio do Assassinato Inglês" e "Uma Boa Xícara de Chá".
Este último texto, como "A Política e a Língua Inglesa", é na verdade tão inglês que nem mesmo as muitas notas explicativas no final do livro conseguem avivar o seu sabor para o leitor brasileiro.
Como um excelente remédio para a insensatez política e a insensibilidade humana, entretanto, "Como Morrem os Pobres" é um livro que muita gente deveria tomar, ou melhor, ler. Não é nenhuma delícia, mas faz bem.

COMO MORREM OS POBRES E OUTROS ENSAIOS

AUTOR George Orwell
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Pedro Maia Soares
QUANTO R$ 44 (416 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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