São Paulo, quinta, 2 de julho de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Cerca de 300 obras do artista estão expostas
MoMA faz a revolução segundo Rodchenko

AMIR LABAKI
de Nova York

O artista russo Aleksandr Rodchenko (1891-1956) costumava fazer piada com o próprio sobrenome para sua única filha, Varvara. Dizia estar condenado à criação, a "dar vida", pela presença do prefixo "rod", que aparece nas palavras russas para "nascimento" e "parir".
O resultado dessa "maldição", um dos legados artísticos mais variados e originais deste século, está resumido na mostra aberta no último final de semana no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Até 6 de outubro, estarão ali reunidas cerca de 300 obras de Rodchenko, no maior esforço já feito para apresentar suas facetas.
Lá estão o Rodchenko pintor, escultor, design, artista gráfico e fotógrafo. Falta o figurinista e cenógrafo de teatro e cinema. Não dá para ter tudo. Depois de Nova York, a exposição passa por Dusseldorf (Alemanha) e Estocolmo (Suécia).
Rodchenko levou ao pé da letra a utopia de artista revolucionário. Filho de um zelador de teatro e de uma lavadeira, nasceu na inquieta São Petersburgo, mas foi criado na pacata Kazan, desenvolvendo ali seus primeiros estudos artísticos. Ao mudar-se para Moscou, em meados de 1915, adaptava-se logo ao turbilhão estético que acompanhava a turbulência social.
A Revolução Socialista de 1917 catalisou em sua primeira década um movimento de radicalização estética de raros paralelos na história. O projeto de formação de uma nova sociedade reivindicava o estabelecimento de um novo homem. Para tanto, exigia-se o desenvolvimento de uma arte também nova, mais próxima da vida, distante da tradição anterior.
Redefinir o papel do artista como agente social nesse novo contexto foi o grande desafio de toda uma geração de criadores, que logo encontraria em Rodchenko um de seus principais líderes.
De maneira didática, a exposição abre com um breve preâmbulo, que contextualiza o momento artístico em que Rodchenko se lançou. Numa ante-sala, encontram-se exemplos de obras de Kasimir Malevich (1878-1935) e Vladimir Tatlin (1885-1953), as duas principais influências iniciais de Rodchenko. Datadas dos anos 10, trazem pesquisas pioneiras na arte abstrata ou não-figurativa.
Em Tatlin, Rodchenko vai se inspirar para o estudo de texturas e planos. Com Malevich, a relação evoluiu do diálogo ao confronto. Rodchenko assimila o jogo com planos coloridos independentes de Malevich e depois o depura num estilo minimalista.
Vai além. Em 1913, Malevich pintava o célebre "Quadrado Negro" e, em 1918, "Branco sobre Branco". São as telas-síntese do suprematismo, escola baseada em formas geométricas, empenhada, segundo seu líder, na "supremacia da sensação pura".
A resposta de Rodchenko não tardou, por meio da série "Preto sobre Preto" -com o negro opondo-se à relação simbolista do branco com o absoluto. A bandeira do construtivismo está desfraldada: a autonomia da pintura frente à figuração, a independência da tela como objeto, a ênfase no caráter técnico da arte, com o elogio do artista-engenheiro ("precisão da construção", prega o artista), tratando cada criação como um "experimento" que dá sequência à pesquisa.
A radicalização do movimento vai defender uma arte pragmática e dissolvida na cultura de massas. O artista renunciava aos particularismos individualistas e apostava na atuação como grupo. Era a nova arte exigida pela construção de um novo mundo (o socialista). A utopia ainda não havia sido esmagada por Stálin.
Não surpreende, assim, que em 1921 Rodchenko, depois de suas pesquisas com formas, planos, texturas e linhas (nestas, inspirado em Kandinsky), decrete a "morte da pintura" com três estudos de cores: "Puro Vermelho", "Puro Amarelo" e "Puro Azul". Escreveria o artista anos depois: "Reduzi a pintura à sua conclusão lógica (...). Afirmei: está tudo acabado. Cores básicas. Todo plano é um plano, e não deve haver qualquer representação".
Durante a década e meia seguinte, Rodchenko consideraria concluída sua pesquisa como pintor. A nova arte não podia mais restringir-se aos limites do quadro assim como o novo artista devia libertar-se do cotidiano no estúdio.
Em vez de voltar à escultura, na qual se exercitara nos anos anteriores, sobretudo na busca de composições tridimensionais a partir de elementos planos (Composições Espaciais), Rodchenko opta por trabalhar para um público mais amplo, abraçando os meios de reprodução mecânica. Seria designer e artista gráfico, mas sua maior paixão passa a ser a fotografia.
Ao exercitar-se nesses outros meios, Rodchenko continuaria fiel a suas pesquisas de artista plástico. A estruturação em diagonal, visando frisar o dinamismo da composição e o recurso à serialização, continuou marcando presença em seus pôsteres, colagens e fotos.



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