|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
POLÊMICA
Suspeita de plágio foi levantada por leitor em março
Editora retira conto de livro infantil em segunda edição
MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local
A segunda edição de "O Livro
dos Medos", reunião de dez contos
infantis editada em novembro de
98 pela Companhia das Letrinhas,
chegou às livrarias no mês passado
sem uma de suas histórias.
"Medo de Jacaré (do Peter Pan)",
da antropóloga Lilia Moritz
Schwarcz, foi retirado do livro depois que um leitor escreveu à editora reclamando que a história é a
mesma de outra obra infantil,
"There's an Alligator Under My
Bed" (Tem um Jacaré Embaixo da
Minha Cama), de Mercer Mayer,
lançada nos EUA há 11 anos.
A antropóloga tem seis livros publicados. No começo do ano, recebeu o Prêmio Jabuti, da Câmara
Brasileira do Livro, pela edição de
"As Barbas do Imperador", tese de
livre-docência sobre d. Pedro 2º
que depois virou livro. Dá aula de
antropologia na USP (Universidade de São Paulo) e é casada com o
editor Luiz Schwarcz, dono da
Companhia das Letras e da Companhia das Letrinhas.
Lilia Schwarcz conta que, em
março, recebeu a carta em que o
leitor, que mora em Campinas e
não foi identificado, fazia a acusação de que ela plagiara o livro americano. "Era bem agressiva", diz.
A Companhia das Letrinhas respondeu ao leitor afirmando que é
possível, em alguns casos, haver
coincidências entre duas obras. Lilia afirma que, ao importar o livro
dos EUA, no entanto, percebeu estar diante de um problema maior
do que imaginara. "Fiquei estarrecida com as semelhanças", diz.
As histórias são idênticas, do início ao fim. Nelas, uma criança conta que, um certo dia, descobriu que
um jacaré resolvera morar embaixo de sua cama. Com medo do bicho, a criança reclamou com os
pais, que não lhe deram ouvidos.
Teve então a idéia de fazer uma
trilha de comida que começava na
cama e terminava na garagem de
sua casa. Com isso, conseguiu
atrair o jacaré para fora do quarto.
Além do enredo, o desfecho da história é igual: o jacaré termina trancado na garagem.
O conto de Lilia Schwarcz é uma
narrativa. No livro americano de
Mercer Mayer a história é contada
por meio de ilustrações amparadas
por legendas. Não há coincidência
literal entre os dois textos, mas
identidade entre as histórias.
No conto da antropóloga brasileira, uma irmã participa da aventura, enquanto no livro americano
a criança faz tudo sozinha.
Outro detalhe: o jacaré de Lilia
Schwarcz acaba trancado dentro
do carro que está na garagem, enquanto o jacaré americano fica fora do automóvel.
"Está óbvio, para mim, que ela
plagiou a outra obra", diz o advogado Eduardo Pimenta, autor de
três livros sobre direitos autorais.
"Como a lei brasileira não define o
que é plágio, o caso se enquadraria
no crime de usurpação de direito
autoral. Ela usou obra preexistente
para fazer uma obra derivada."
O advogado da Companhia das
Letras, Fernando Lottenberg, faz a
defesa de Lilia Schwarcz. "Foi uma
infeliz coincidência. O direito autoral não protege uma idéia. O fato
de os dois autores terem a mesma
idéia e depois a contarem de forma
semelhante não autoriza a conclusão de que houve plágio."
Lottenberg invoca "a reputação"
de Lilia Schwarcz para defender a
autora. "Não se trata de qualquer
pessoa. É uma historiadora que
tem obra, reconhecimento, prêmios. Lilia nem sequer vive de escrever livros infantis. Está claro
que não teve a intenção de copiar e
tirar proveito. Em bom português:
Lilia não precisa disso."
Preocupada com as consequências de uma acusação tão grave, Lilia Schwarcz enviou seu conto à
Dial Books for Young Readers,
editora do livro americano. A empresa lhe mandou uma carta em
que diz que, apesar das semelhanças, não seria o caso de processo,
de acordo com a lei americana.
A editora se diz impossibilitada
de opinar sobre como o caso seria
tratado pela lei brasileira. Caberia
à Companhia das Letrinhas decidir o que fazer. O advogado Lottenberg aconselhou Lilia Schwarcz
a retirar o conto. "Não convinha
alimentar a polêmica", diz.
A antropóloga diz que, ainda que
a editora americana tenha afastado
a hipótese de um processo, vive
um drama desde que a carta do leitor de Campinas chegou às suas
mãos. "É a minha idoneidade moral que está em jogo."
Lilia diz que tem medo de jacaré
desde pequena e que sua filha, Júlia, cresceu ouvindo a história. "De
minha parte, a única coisa que
posso dizer é que os medos são
universais e que as estruturas das
histórias podem se repetir."
Texto Anterior: Noite Ilustrada - Erika Palomino: Eu segurei na bandeira do arco-íris Próximo Texto: Teatro: Índios potiguares sobem ao palco na PB Índice
|