São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
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POLÊMICA
Suspeita de plágio foi levantada por leitor em março
Editora retira conto de livro infantil em segunda edição

MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local

A segunda edição de "O Livro dos Medos", reunião de dez contos infantis editada em novembro de 98 pela Companhia das Letrinhas, chegou às livrarias no mês passado sem uma de suas histórias.
"Medo de Jacaré (do Peter Pan)", da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, foi retirado do livro depois que um leitor escreveu à editora reclamando que a história é a mesma de outra obra infantil, "There's an Alligator Under My Bed" (Tem um Jacaré Embaixo da Minha Cama), de Mercer Mayer, lançada nos EUA há 11 anos.
A antropóloga tem seis livros publicados. No começo do ano, recebeu o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, pela edição de "As Barbas do Imperador", tese de livre-docência sobre d. Pedro 2º que depois virou livro. Dá aula de antropologia na USP (Universidade de São Paulo) e é casada com o editor Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras e da Companhia das Letrinhas.
Lilia Schwarcz conta que, em março, recebeu a carta em que o leitor, que mora em Campinas e não foi identificado, fazia a acusação de que ela plagiara o livro americano. "Era bem agressiva", diz.
A Companhia das Letrinhas respondeu ao leitor afirmando que é possível, em alguns casos, haver coincidências entre duas obras. Lilia afirma que, ao importar o livro dos EUA, no entanto, percebeu estar diante de um problema maior do que imaginara. "Fiquei estarrecida com as semelhanças", diz.
As histórias são idênticas, do início ao fim. Nelas, uma criança conta que, um certo dia, descobriu que um jacaré resolvera morar embaixo de sua cama. Com medo do bicho, a criança reclamou com os pais, que não lhe deram ouvidos.
Teve então a idéia de fazer uma trilha de comida que começava na cama e terminava na garagem de sua casa. Com isso, conseguiu atrair o jacaré para fora do quarto. Além do enredo, o desfecho da história é igual: o jacaré termina trancado na garagem.
O conto de Lilia Schwarcz é uma narrativa. No livro americano de Mercer Mayer a história é contada por meio de ilustrações amparadas por legendas. Não há coincidência literal entre os dois textos, mas identidade entre as histórias.
No conto da antropóloga brasileira, uma irmã participa da aventura, enquanto no livro americano a criança faz tudo sozinha.
Outro detalhe: o jacaré de Lilia Schwarcz acaba trancado dentro do carro que está na garagem, enquanto o jacaré americano fica fora do automóvel.
"Está óbvio, para mim, que ela plagiou a outra obra", diz o advogado Eduardo Pimenta, autor de três livros sobre direitos autorais. "Como a lei brasileira não define o que é plágio, o caso se enquadraria no crime de usurpação de direito autoral. Ela usou obra preexistente para fazer uma obra derivada."
O advogado da Companhia das Letras, Fernando Lottenberg, faz a defesa de Lilia Schwarcz. "Foi uma infeliz coincidência. O direito autoral não protege uma idéia. O fato de os dois autores terem a mesma idéia e depois a contarem de forma semelhante não autoriza a conclusão de que houve plágio."
Lottenberg invoca "a reputação" de Lilia Schwarcz para defender a autora. "Não se trata de qualquer pessoa. É uma historiadora que tem obra, reconhecimento, prêmios. Lilia nem sequer vive de escrever livros infantis. Está claro que não teve a intenção de copiar e tirar proveito. Em bom português: Lilia não precisa disso."
Preocupada com as consequências de uma acusação tão grave, Lilia Schwarcz enviou seu conto à Dial Books for Young Readers, editora do livro americano. A empresa lhe mandou uma carta em que diz que, apesar das semelhanças, não seria o caso de processo, de acordo com a lei americana.
A editora se diz impossibilitada de opinar sobre como o caso seria tratado pela lei brasileira. Caberia à Companhia das Letrinhas decidir o que fazer. O advogado Lottenberg aconselhou Lilia Schwarcz a retirar o conto. "Não convinha alimentar a polêmica", diz.
A antropóloga diz que, ainda que a editora americana tenha afastado a hipótese de um processo, vive um drama desde que a carta do leitor de Campinas chegou às suas mãos. "É a minha idoneidade moral que está em jogo."
Lilia diz que tem medo de jacaré desde pequena e que sua filha, Júlia, cresceu ouvindo a história. "De minha parte, a única coisa que posso dizer é que os medos são universais e que as estruturas das histórias podem se repetir."


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