São Paulo, Sexta-feira, 02 de Julho de 1999
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TEATRO
Grupo de 13 índios estreou peça em Lagoa da Traição e pretende levar espetáculo a outras tribos e a João Pessoa
Índios potiguares sobem ao palco na PB

KAMILA FERNANDES
da Agência Folha

Representar, sobre um palco, personagens cuja cultura e vida lhes são completamente estranhas, desconhecidas. Esse é o desafio de 13 índios potiguares da aldeia do Galego, na Paraíba.
Eles formaram um grupo de teatro, o Akajutibiró (antigo nome da cidade paraibana de Baía da Traição), e pretendem sair em turnê pela Paraíba, para mostrar suas atuações em peças teatrais.
A inusitada estréia dos indígenas aconteceu nos dias 19 e 20 de junho, com a apresentação de "Pequenas Peças", uma montagem de seis trechos de peças teatrais com temas urbanos, em um clube no município de Baía da Traição (cidade de 6.000 habitantes que fica a 80 km de João Pessoa).
Os aplausos e as interferências da platéia durante a apresentação assustaram os índios.
"Eles nem acreditavam em tudo o que estava acontecendo", afirma o diretor do grupo, Omar Brito.
A índia Potira Tani protagonizou "Corações Guerreiros", de Marcelo Farias Costa. Robin Marley está à frente de outra peça, "A Procissão de Çairé", de João de Jesus Paes Loureiro. Os autores são locais, desconhecidos do meio teatral.
"Uma das atrizes, inclusive, nem acreditou quando, depois de uma apresentação, foram pedir autógrafos a ela", diz Brito.
Segundo o diretor -que, fora dos palcos, é funcionário público e trabalha há dez anos com teatro, nas horas vagas- a idéia surgiu entre os próprios índios que, no início deste ano, demonstraram interesse em aprender a arte.
"Eu frequentava a praia de Baía da Traição e, um dia, eles me perguntaram se eu não poderia ensiná-los a representar."
Brito montou um curso nos fins-de-semana e foi até a aldeia dos potiguares durante três meses. No encerramento, os índios criaram uma montagem teatral.
"Eles iriam fazer a peça e tudo pararia por aí. Mas depois eles começaram a gostar tanto que decidiram formar um grupo e encenar em outros lugares", diz.
O primeiro passo é uma turnê pelas terras indígenas da Paraíba, no mês de julho. Para o mês de agosto, porém, os planos já são mais ambiciosos, com apresentações em um teatro de João Pessoa, capital paraibana.
"Eles têm uma dedicação muito grande e realmente se apaixonaram pelo teatro. Tanto que dois deles foram para São Paulo tentar a vida nos palcos", afirma o diretor.
Também para o próximo semestre, os índios potiguares planejam montar uma peça sobre o descobrimento do Brasil sob o ponto de vista deles mesmos.
"Esse será um trabalho importantíssimo, porque eles estão perdendo a própria cultura, já não sabem mais falar a língua nativa, não cultivam mais as tradições indígenas. Com essa peça, eles irão fazer pesquisas e terão um retorno às próprias raízes", afirma Brito.
Na atual montagem, a única referência indígena aparece no início da encenação, quando os integrantes do grupo dançam o toré, coreografia típica dos potiguares, em uma espécie de aquecimento.
Até o nome artístico escolhido por alguns deles está longe de lembrar o de seus ancestrais; com exceção de Potira Tani, os demais escolheram nomes internacionais, como Marie e Ju Peter.
A UFPB (Universidade Federal da Paraíba) cedeu a iluminação para o espetáculo. O restante do dinheiro para que a peça pudesse ser apresentada saiu do bolso do próprio diretor e dos alunos.
"É tudo muito simples, a peça não tem cenário ou qualquer outro tipo de objeto utilizado que tornasse os custos altos, mas, para o transporte e todos os outros gastos, tivemos que contar apenas com os nossos recursos."
Para a turnê em terras indígenas, a Prefeitura de Baía da Traição se propôs a ajudar com o transporte. Para a ida a João Pessoa, ainda não sabem se terão esse apoio.
"Recebemos uma "moção de aplauso" oficial da Assembléia Legislativa do Estado pela nossa peça. Quem sabe os deputados não se propõem a ajudar financeiramente também", diz Brito.


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