São Paulo, domingo, 02 de agosto de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Ilustração Jean


Show do milhão

Livro americano de autoajuda defende superioridade dos milionários sobre a classe média e é contestado por brasileiros que trabalham e circulam nos dois grupos

Os milionários, pessoas que "se concentram em aumentar o patrimônio líquido" e "têm múltiplas fontes de renda", falam sobre ideias; a classe média, "que trabalha visando ao salário" e "tem apenas uma ou duas fontes de renda", sobre coisas e outras pessoas. As pessoas de classe média não pensam por si mesmas. Pensam que raciocinam por conta própria, mas são os milionários que controlam seus pensamentos. Quem afirma é o empresário americano Keith Cameron Smith, autor de "As 10 Principais Diferenças entre os Milionários e a Classe Média" ("The Top 10 Distinctions between Millionaires and the Middle Class"), livro lançado nos EUA que já vendeu 300 mil exemplares no exterior, de acordo com o agente de Smith, e será lançado no Brasil amanhã pela editora Sextante.

 

Em dez tópicos, o americano, uma espécie de guru financeiro que já estrelou um programa de rádio nos Estados Unidos e, na linha de autoajuda, promete ensinar as pessoas de classe média a agirem para virarem milionárias, aponta o que separa os que "escolhem ser ricos" dos que trabalham por salário.

 

"As pessoas muito pobres, as pobres e as da classe média põem o controle da sua vida nas mãos dos outros- que, ironicamente, são os ricos e os milionários", escreve Smith, que conta ter enriquecido com lojas de móveis e negociando imóveis. "Os milionários são os grandes guiadores das ideias da classe média", concorda o brasileiro Álvaro Garnero, herdeiro do grupo Brasilinvest. "É mais fácil ela ser influenciada pela elite, que já chegou lá."

 

O caminho para o paraíso, segundo Smith, passa por pensar a vida a longo prazo, inclusive nos relacionamentos amorosos. Milionários quase nunca se separam.

 

"Em muitos casos, as pessoas pobres e de classe média têm pouco dinheiro porque são pobres emocionalmente", escreve Smith, para apresentar outra característica que atribui aos menos abastados: falar mal dos outros. Os milionários, não. "Respeitam as pessoas. Dão a elas o benefício da dúvida e compreendem que estão fazendo o melhor que podem."

 

Criador de personagens ricaços que destrataram funcionários noite após noite nas novelas das oito da TV Globo, e que caíram no gosto popular, o autor Aguinaldo Silva faz uma ressalva. "É, mas ele está falando de milionários mesmo e nós, os novelistas, desses muquiranas que ficaram ricos no Brasil, alguns porque trabalharam, mas a maioria porque se aproveitou das benesses do governo. A verdade é que há pouquíssimas pessoas, entre os milionários brasileiros, que se refinaram a ponto de se enquadrar no perfil mostrado pelo autor."

 

"Na época da bolha da internet, muita gente da classe média americana também virou milionária do nada e surgiram pessoas arrogantes, com comportamentos que não se via antes", diz Álvaro Garnero, que chegou a investir "um dinheiro bom" na bolsa eletrônica Nasdaq. "Mas o porquinho emagreceu e eu tive que chamar o Garnerão [o pai, o empresário Mario Garnero] para me socorrer."

 

Generosidade, segundo Cameron Smith, não é problema para um verdadeiro milionário, é pré-requisito. "Os milionários acreditam que precisam ser generosos. A classe média acredita que não tem condições de dar nada. Os milionários não são apenas capazes de dar. Eles também sabem receber. As pessoas da classe média têm grande dificuldade em receber. E como poderiam, se não são capazes de compartilhar?", escreve. Regina Moraes Waib, filha do empresário Antônio Ermírio de Moraes, discorda. "A classe média dá muita coisa", diz. "E tem rico que deixa o dinheirinho na porta do prédio e nem sabe qual instituição vai passar lá para pegar."

 

"Quem ajuda mesmo é o pobre", diz o cantor Luciano, da dupla com Zezé Di Camargo. "O rico monta escola de música, mas não mata a fome." No livro, Smith descreve um episódio em que, sem maiores motivos, deu US$ 100 para um jovem no parque e outro em que levou uma prostituta para comprar alimentos.

 

Outra das diferenças apontadas pelo autor é que "os milionários aprendem sem parar", enquanto "a classe média pensa que o aprendizado acaba quando termina a educação formal". "Quer dizer que depois disso pode virar animal, sem se refinar, evoluir?", diz o consultor de etiqueta Fábio Arruda.

 

Smith escreve que seus amigos milionários leem um livro por semana. "A Athina [Onassis] está sempre lendo um livro quando vem ao salão", diz Marco Antônio De Biaggi, cabeleireiro da bilionária. "Então estou lá na classe E. Tudo o que eu queria era ler mais", confessa Álvaro Garnero. "Toda generalização é burra", diz o publicitário Nizan Guanaes sobre o livro. "Quem é babaca é babaca com ou sem dinheiro."

 

Para o cantor Luciano, só uma pessoa se enquadra no modelo proposto pelo autor: "Ele estudou a vida do milionário José Sarney. Que lê mais que todo mundo, dá nota de cem sem olhar na cara e fala com os funcionários porque são os filhos, genros e netos que ele colocou lá no Senado."

Reportagem DIÓGENES CAMPANHA



"Os milionários ganham dinheiro, gastam o que querem e por fim pagam os impostos. A classe média ganha o dinheiro, paga os impostos e depois gasta o que sobrou"
KEITH CAMERON SMITH
Escritor

"As pessoas da classe média e as muito pobres costumam ser grandes fãs de artistas de televisão. Elas gostam de fofoca. Mal conseguem esperar para ver quem fez o quê. Ficam grudadas na TV"
IDEM

"Os milionários assumem riscos calculados. A classe média tem medo de se arriscar. Almeje mais o sucesso do que a aceitação das pessoas. É o que os milionários fazem"
IDEM


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