São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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FESTIVAL DE EDIMBURGO

Megaevento escocês encerrado ontem consagra peças em que gesto vale mais do que palavras

Fringe premia descobertas com o corpo

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A EDIMBURGO

As ruas da inesperadamente ensolarada Edimburgo estavam entupidas no seu superagosto. E se havia um uniforme que se sobressaía na multidão era a camisa amarela da seleção brasileira.
Mas a verdadeira representação nacional no mês dos festivais na Escócia foi o grupo da coreógrafa Lia Rodrigues. E tal como nossos pentacampeões do futebol, ela saiu de lá com a taça.
O espetáculo "Aquilo de Que Somos Feitos", que integrou a gigantesca programação do Fringe Festival (encerrado nesse fim de semana), foi um dos 17 ganhadores do Prêmio Bank of Scotland Herald Angels. Dezessete ganhadores de um universo de 1.491 espetáculos, em 20 mil apresentações -que fazem do Fringe, fácil, fácil, o maior festival do mundo.
"Such Stuff That We Are Made Of", nome com o qual a criação de Rodrigues foi apresentada dentro do ciclo Autora Nova, já vinha de carreira bem-sucedida.
Primeiro foi o Rio de Janeiro, onde estreou, em 2000. Do Brasil, o projeto saiu para rodar Dinamarca, França, Alemanha e Eslovênia. Chegou a Edimburgo das andanças quase sem diferenças.
A tônica segue sendo as diversas acepções do verbo descobrir, tão em voga quando "Aquilo..." estreou, no quinto centenário da chegada portuguesa ao Brasil.
São descobertas com o corpo as propostas por Lia Rodrigues. Debates corporais de questões de cidadania, história, memória. Não há propriamente palco. Espectadores se mesclam aos sete bailarinos do grupo, que iniciam o espetáculo nus e terminam vestidos.
O não-verbal dos movimentos corporais também ganha aos poucos o agasalho de pequenos textos, slogans, que são declamados esparsamente, falando sobre a dívida externa brasileira ou repisando o famoso "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás", de Che Guevara.
A revista inglesa "Time Out" viu e classificou o resultado de ""trompe l'oeil" estranhamente maravilhoso" (e trompe l'oeil é a pintura que parece algo real).
Com sentido talvez oposto, o de algo real que parece imaginário, o espetáculo "Monsoon", do grupo francês Au Cul du Loup, foi outro dos destaques do Fringe.
Também ancorado no ciclo Aurora Nova, a peça premiada com outro dos Herald Angels (e com prêmio do jornal "Scostman") levou os espectadores a uma espécie de ilha fantasiosa. A luta aqui não é contra injustiças sociais, mas, de modo lúdico e mágico, com a mudança climática que as monções (título da peça) trazem.
Em um festival com grande tradição na "stand up comedy", na qual o texto apresentado pelo comediante é o que conta (e que tem seu prêmio especial no evento, o Perrier Award, este ano de Daniel Kitson), peças "não-verbais" como "Monsoon" e "Aquilo..." não foram as únicos a se dar bem.
Além de premiar trabalhos como o teatro físico "La Divina Commedia", do badalado russo Derevo (não tão bem recebido pela crítica), o Fringe consagrou peças singelas e absolutamente caladas como "Men in Coats".
"Homens em Casacos" saiu sem prêmios, mas com ótimas críticas e com todos os assentos ocupados, até mesmo os das apresentações extras.
Típico espetáculo que deve explodir no circuito Londres-Nova York (ou mesmo em Noa Noa, dada sua universalidade), o show dos comediantes Mick Dow e Maddy Sparham é basicamente uma releitura contemporânea da mímica clown. Uma série de gags sutis e divertidas como Pernalongas e Charlie Chaplins.


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite do British Council


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