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FESTIVAL DE EDIMBURGO
Megaevento escocês encerrado ontem consagra peças em que gesto vale mais do que palavras
Fringe premia descobertas com o corpo
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A EDIMBURGO
As ruas da inesperadamente ensolarada Edimburgo estavam entupidas no seu superagosto. E se
havia um uniforme que se sobressaía na multidão era a camisa
amarela da seleção brasileira.
Mas a verdadeira representação
nacional no mês dos festivais na
Escócia foi o grupo da coreógrafa
Lia Rodrigues. E tal como nossos
pentacampeões do futebol, ela
saiu de lá com a taça.
O espetáculo "Aquilo de Que
Somos Feitos", que integrou a gigantesca programação do Fringe
Festival (encerrado nesse fim de
semana), foi um dos 17 ganhadores do Prêmio Bank of Scotland
Herald Angels. Dezessete ganhadores de um universo de 1.491 espetáculos, em 20 mil apresentações -que fazem do Fringe, fácil,
fácil, o maior festival do mundo.
"Such Stuff That We Are Made
Of", nome com o qual a criação de
Rodrigues foi apresentada dentro
do ciclo Autora Nova, já vinha de
carreira bem-sucedida.
Primeiro foi o Rio de Janeiro,
onde estreou, em 2000. Do Brasil,
o projeto saiu para rodar Dinamarca, França, Alemanha e Eslovênia. Chegou a Edimburgo das
andanças quase sem diferenças.
A tônica segue sendo as diversas
acepções do verbo descobrir, tão
em voga quando "Aquilo..." estreou, no quinto centenário da
chegada portuguesa ao Brasil.
São descobertas com o corpo as
propostas por Lia Rodrigues. Debates corporais de questões de cidadania, história, memória. Não
há propriamente palco. Espectadores se mesclam aos sete bailarinos do grupo, que iniciam o espetáculo nus e terminam vestidos.
O não-verbal dos movimentos
corporais também ganha aos
poucos o agasalho de pequenos
textos, slogans, que são declamados esparsamente, falando sobre
a dívida externa brasileira ou repisando o famoso "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura
jamás", de Che Guevara.
A revista inglesa "Time Out" viu
e classificou o resultado de
""trompe l'oeil" estranhamente
maravilhoso" (e trompe l'oeil é a
pintura que parece algo real).
Com sentido talvez oposto, o de
algo real que parece imaginário, o
espetáculo "Monsoon", do grupo
francês Au Cul du Loup, foi outro
dos destaques do Fringe.
Também ancorado no ciclo Aurora Nova, a peça premiada com
outro dos Herald Angels (e com
prêmio do jornal "Scostman") levou os espectadores a uma espécie de ilha fantasiosa. A luta aqui
não é contra injustiças sociais,
mas, de modo lúdico e mágico,
com a mudança climática que as
monções (título da peça) trazem.
Em um festival com grande tradição na "stand up comedy", na
qual o texto apresentado pelo comediante é o que conta (e que tem
seu prêmio especial no evento, o
Perrier Award, este ano de Daniel
Kitson), peças "não-verbais" como "Monsoon" e "Aquilo..." não
foram as únicos a se dar bem.
Além de premiar trabalhos como o teatro físico "La Divina
Commedia", do badalado russo
Derevo (não tão bem recebido
pela crítica), o Fringe consagrou
peças singelas e absolutamente
caladas como "Men in Coats".
"Homens em Casacos" saiu
sem prêmios, mas com ótimas
críticas e com todos os assentos
ocupados, até mesmo os das
apresentações extras.
Típico espetáculo que deve explodir no circuito Londres-Nova
York (ou mesmo em Noa Noa,
dada sua universalidade), o show
dos comediantes Mick Dow e
Maddy Sparham é basicamente
uma releitura contemporânea da
mímica clown. Uma série de gags
sutis e divertidas como Pernalongas e Charlie Chaplins.
O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite do British Council
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