São Paulo, segunda-feira, 02 de setembro de 2002

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CRÍTICA

Reading serve de palco para o novo, o urgente

THIAGO NEY
EM READING (INGLATERRA)

Acontece de tempos em tempos. Meio que de repente, aparece uma banda que nos faz correr a uma loja para comprar um disco; aumentar o rádio quando uma canção toca e cantá-la sozinho; pagar uma fortuna a um cambista para assistir a um show. É o tipo de excitação que talvez só a música pop seja capaz de causar.
E no inglês Reading, o mais importante, comentado e aguardado festival de rock do planeta, presenciado por 70 mil pessoas entre 23 e 25 de agosto, foram vários os que proporcionaram esse sentimento.
Mais do que em qualquer outra de suas edições anteriores, o evento deste ano serviu de palco para o novo, para o urgente. Reading teve o que é essencial agora, no presente, em 2002. Principal exemplo: The Strokes.
A banda foi escalada para fechar o palco principal -são quatro ao todo- na primeira noite do festival, acima de gente como Pulp, Weezer, Jane's Addiction.
Quando Julian Casablancas, de joelho machucado, sentado numa cadeira, começa a cantar a nova "The Way it Is", entende-se por que esses nova-iorquinos que têm apenas um disco -de apenas 37 minutos de duração- estão ali.
As guitarras dos Strokes têm ritmo hipnotizador, a bateria é frenética. As letras adolescentes, espertas, são cantadas por Reading. São versos como "That's not your fault/ that's just the way it is"; "I watch the TV/ forget what I'm told/ well I am too young/ and they are too old"; "I just want to misbehave/ I just want to be your slave".
Em uma hora, chega-se ao final do show: o vocalista ganha um bolo de aniversário; o baterista (brasileiro) Fabrizio Moretti desce do palco e leva o bolo até o público. Em seguida, Casablancas se levanta, agradece ao amigo Rob Pollard, herói do rock independente com seu Guided by Voices, que está ao lado do palco, e introduz "New York City Cops". Jack White, do White Stripes, entra com sua guitarra. É um encerramento primoroso de um show memorável.
Há um ano e meio, com o lançamento do tosco (no bom sentido) EP "The Modern Age", eles abriram espaço para White Stripes, Hives, Black Rebel Motorcycle Club, Interpol e tantas outras que, talvez, estivessem destinadas a ser ignoradas por rádios, jornais e MTV.
Assim, não foi exatamente uma surpresa ver White Stripes tocar no palco principal em um horário decente. Lá estavam Jack e Meg White -que martela a bateria de olhos fechados, sorrindo- despejando blues ("Dead Leaves and the Dirty Ground"), covers country ("Jolene") e o hit "Hotel Yorba". Espanto foi o australiano Vines, que fez a molecada gritar "She never loved me/ why should anyone?", em "Get Free", e desconstruiu o rap "Miss Jackson", do Outkast.
O festival ainda teve o sinistro Black Rebel, o explosivo e bem humorado Hives, a novíssima dupla anglo-americana The Kills (um guitarrista, uma garota no vocal e bateria programada; pelos menos três gravadoras já estão atrás deles), o electro ultrasensual Peaches, Libertines, D4...
O que todas essas bandas mostraram no Reading é que o futuro está longe e é supérfluo. Não interessa se amanhã elas se tornem tão relevantes quanto um videocassete Beta. O que importa é que essa é a música de hoje.


Avaliação:     


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