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"Crime e Castigo" condena opressão
DA REPORTAGEM LOCAL
Vai faltar ar no espaço Ademar
Guerra, "porão" do CCSP. O jovem Raskólnikov, protagonista
de "Crime e Castigo", contracenará ali, a partir de amanhã, com outros personagens que se arrastam
pela vida sem fôlego, miseráveis.
E habitam áreas exíguas, claustrofóbicas e tão simbólicas quanto
uma geladeira e um cofre.
O romance de Fiódor Dostoiévski, um clássico da literatura
russa e universal, foi adaptado como resultado de pesquisa realizada por alunos e professores da Escola Livre de Teatro (ELT) de Santo André, integrantes do núcleo
de Processo Colaborativo, coordenado por Antônio Araújo, Luís
Alberto de Abreu e Lucienne Guedes. Depois de apresentações naquela cidade, em 2003, além de
Mauá e Santos, o espetáculo conquista temporada em São Paulo
sob o guarda-chuva da recém-batizada cia. Teatroendoscopia.
Seus criadores querem tornar
orgânicas as palavras e passagens
esmeradas com as quais Dostoiévski construiu sua obra-prima. A música de Gustavo Kurlat,
por exemplo, tenta traduzir sonoridades do corpo humano.
A sugestão de encenar "Crime e
Castigo" partiu de Araújo, diretor
do Teatro da Vertigem e professor
da ELT. O assassinato de Celso
Daniel (2002) corroborou. O ex-prefeito de Santo André apostou
na ELT, vinculada desde 1990 à
Secretaria de Cultura, Esporte e
Lazer. "Relacionamos o assassinato, dentro de um carro blindado, de quem incentivava a cultura, com a condição de Raskólnikov, um idealista que abandona
os estudos por causa da pobreza e
se vê às voltas com a prática de um
crime", diz Eliana Monteiro, 38,
do núcleo de direção da ELT.
Vendo seus familiares e amigos
chafurdando, famintos, metidos
na prostituição para sobreviver, e
ele mesmo explorado, Raskólnikov parte para a execução, sem
não antes refletir muito.
Segundo o tradutor do romance, Paulo Bezerra (ed. 34), ele "desenvolve uma engenhosa teoria
dos indivíduos "ordinários" e "extraordinários", que têm origem na
experiência dos grandes criminosos da história".
"O substrato da reflexão de Raskólnikov é o seguinte: Napoleão
derramou rios de sangue para
consolidar a civilização burguesa,
que tem em sua macro-estrutura
o sistema bancário como símbolo
maior, e a história o absolveu. Então, por que eu, Rodion Románovitch Raskólnikov, não posso matar uma mísera velha agiota, que
repete na micro-estrutura da sociedade o que o sistema bancário
faz na macro-estrutura?", escreve
Bezerra.
A polissemia dos personagens
de Dostoiévski é confinada em estruturas metálicas opressoras.
Raskólnikov mora numa geladeira. A velha, num cofre. A prostituta, num box de banho. Uma família famélica, sob uma mesa. Tudo
e todos empilhados.
Amanhã, após a sessão de estréia, haverá debate sobre "processo colaborativo".
(VS)
CRIME E CASTIGO. Núcleo de direção:
Eliana Monteiro, Esther Delvechio, Flavio
Dias, Marcos Lemes, Mônica Rodrigues e
Suzana Aragão. Com grupo
Teatroendoscopia (Alessandra Brantes,
Alessandro Toller, Andréia Horta,
Antonio Correa, Azê Diniz, Débora
Constantin, Douglas Estevam, Eduardo
Reis, Érica Farias, Fabiana Ribeiro, Marçal
Costa, Sérgio Guizé e Val Mataverni.
Onde: CCSP - espaço Ademar Guerra (r.
Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611). Quando: estréia amanhã, às 21h;
sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h); até 24/
10. Quanto: R$ 12 (R$ 1,30 no dia 10/9).
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