São Paulo, quinta-feira, 02 de setembro de 2004

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"Crime e Castigo" condena opressão

DA REPORTAGEM LOCAL

Vai faltar ar no espaço Ademar Guerra, "porão" do CCSP. O jovem Raskólnikov, protagonista de "Crime e Castigo", contracenará ali, a partir de amanhã, com outros personagens que se arrastam pela vida sem fôlego, miseráveis. E habitam áreas exíguas, claustrofóbicas e tão simbólicas quanto uma geladeira e um cofre.
O romance de Fiódor Dostoiévski, um clássico da literatura russa e universal, foi adaptado como resultado de pesquisa realizada por alunos e professores da Escola Livre de Teatro (ELT) de Santo André, integrantes do núcleo de Processo Colaborativo, coordenado por Antônio Araújo, Luís Alberto de Abreu e Lucienne Guedes. Depois de apresentações naquela cidade, em 2003, além de Mauá e Santos, o espetáculo conquista temporada em São Paulo sob o guarda-chuva da recém-batizada cia. Teatroendoscopia.
Seus criadores querem tornar orgânicas as palavras e passagens esmeradas com as quais Dostoiévski construiu sua obra-prima. A música de Gustavo Kurlat, por exemplo, tenta traduzir sonoridades do corpo humano.
A sugestão de encenar "Crime e Castigo" partiu de Araújo, diretor do Teatro da Vertigem e professor da ELT. O assassinato de Celso Daniel (2002) corroborou. O ex-prefeito de Santo André apostou na ELT, vinculada desde 1990 à Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer. "Relacionamos o assassinato, dentro de um carro blindado, de quem incentivava a cultura, com a condição de Raskólnikov, um idealista que abandona os estudos por causa da pobreza e se vê às voltas com a prática de um crime", diz Eliana Monteiro, 38, do núcleo de direção da ELT.
Vendo seus familiares e amigos chafurdando, famintos, metidos na prostituição para sobreviver, e ele mesmo explorado, Raskólnikov parte para a execução, sem não antes refletir muito.
Segundo o tradutor do romance, Paulo Bezerra (ed. 34), ele "desenvolve uma engenhosa teoria dos indivíduos "ordinários" e "extraordinários", que têm origem na experiência dos grandes criminosos da história".
"O substrato da reflexão de Raskólnikov é o seguinte: Napoleão derramou rios de sangue para consolidar a civilização burguesa, que tem em sua macro-estrutura o sistema bancário como símbolo maior, e a história o absolveu. Então, por que eu, Rodion Románovitch Raskólnikov, não posso matar uma mísera velha agiota, que repete na micro-estrutura da sociedade o que o sistema bancário faz na macro-estrutura?", escreve Bezerra.
A polissemia dos personagens de Dostoiévski é confinada em estruturas metálicas opressoras. Raskólnikov mora numa geladeira. A velha, num cofre. A prostituta, num box de banho. Uma família famélica, sob uma mesa. Tudo e todos empilhados.
Amanhã, após a sessão de estréia, haverá debate sobre "processo colaborativo". (VS)


CRIME E CASTIGO. Núcleo de direção: Eliana Monteiro, Esther Delvechio, Flavio Dias, Marcos Lemes, Mônica Rodrigues e Suzana Aragão. Com grupo Teatroendoscopia (Alessandra Brantes, Alessandro Toller, Andréia Horta, Antonio Correa, Azê Diniz, Débora Constantin, Douglas Estevam, Eduardo Reis, Érica Farias, Fabiana Ribeiro, Marçal Costa, Sérgio Guizé e Val Mataverni. Onde: CCSP - espaço Ademar Guerra (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611). Quando: estréia amanhã, às 21h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h); até 24/ 10. Quanto: R$ 12 (R$ 1,30 no dia 10/9).


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