São Paulo, Quinta-feira, 02 de Setembro de 1999
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MEMÓRIA
Conversando com ele, nos distantes 50's

ÁLVARO DE MOYA
especial para a Folha

Em 1958, eu estagiava na CBS Television, em Nova York, e fui a Hollywood entrevistar Stanley Kubrick para a Folha.
Nos estúdios da Paramount, a todo instante, ele pedia desculpas, a fim de ir à sala ao lado, atender Marlon Brando. Kubrick dirigiria "A Face Oculta". Brando brigou com ele, despediu-o e dirigiu magistralmente seu único filme.
O diretor Anthony Mann ficou doente e Kirk Douglas, que tinha sido dirigido por Kubrick no ano anterior, em "Glória Feita de Sangue", sugeriu o americano como substituto. E "Spartacus" foi realizado, sem direito a montagem.
O roteirista de "Glória Feita de Sangue", Calder Willingham, colaborando no filme de Brandon-Kubrick, fazia sala para mim. Perguntei a Willingham, impressionado com as respostas do entrevistado, se Kubrick não era mais interessado na forma do que no conteúdo. O roteirista contestou, argumentando que ele se preocupava muito com as mensagens do filme. Vide "Glória".
Naqueles longínquos anos 50, perguntei ao diretor como tinha feito aquele movimento de câmera em "Glória", na célebre cena da trincheira. Ele estranhava essa pergunta que todos lhe faziam, talvez, acreditava, por ser um ex-fotógrafo profissional, desde os 18 anos, das revistas "Look" e "Life".
"O movimento é simples. Kirk Douglas está sentado na banqueta do diretor de fotografia, fingindo que está andando. O travelling é para trás. Os trilhos são as próprias tábuas das trincheiras no chão e os soldados, espremidos pela passagem da câmera, recolocam-se em posição guerreira, após o movimento. O foco utiliza o "pan-focus", desenvolvido em "Cidadão Kane'". E acrescentou: "Eu é que não entendo como Orson Welles faz aqueles movimentos de câmeras, como em "A Marca da Maldade'".
Quando perguntei quais, ele descreveu com detalhes um certo movimento que eu não tinha visto. Ele insistiu e imitou a câmera. Deu uma luzinha na minha cabeça. "Tinha um mambo como fundo musical?". "Sim." A Universal, na distribuição brasileira, refez os letreiros em português, tirando as imagens da abertura de "A Marca da Maldade", deixando só o som.
Depois da invenção da "steady-cam", Kubrick pôde realizar, em "O Iluminado" (80), os movimentos de câmera que Welles fazia com os pesados equipamentos do passado.
Kubrick revelou, na época, que assistia tudo quanto era filme. Todos. Foi assim que viu o filme brasileiro "O Cangaceiro" (53). Gostou muito e o recomendou a Brando, o qual tem o costume de escrever cartas e mandou uma para Lima Barreto, dizendo que gostaria de ser dirigido por ele. E Kubrick quis saber do paradeiro do diretor brasileiro. "Está execrado, como todo brasileiro que faz sucesso." "E gasta muito", acrescentei. "George Stevens ("Um Lugar ao Sol", 52) estoura todos os orçamentos e continua", respondeu o diretor.
Pediu-me que sugerisse uma atriz brasileira, morena, para fazer uma mexicana. Tinha assistido, na véspera, um semidocumentário sobre a Amazônia, feito por um polonês radicado no Brasil, Zigmunt Zulistrowsky, em L.A., em exibição privada, no qual havia uma bela figurante morena. Dei-lhe o cartão de Z.Z., mas Katy Jurado acabou fazendo o papel.
Nós já tínhamos visto, em São Paulo, "A Morte Passou por Perto" (56) e "O Grande Golpe" (57), os filmes precedentes de Kubrick; porém, ele superou as expectativas, sabendo se impor a Hollywood, vivendo longe, na Inglaterra e na Alemanha (onde o maestro Júlio Medaglia, seu vizinho, discutia com ele, rejeitando o seu uso de clássicos de forma equivocada, a seu ver, nos filmes "2001" e "Laranja Mecânica").
Distante e livre de interferências comerciais que prejudicariam sua obra, Stanley Kubrick conseguiu construir uma carreira pessoal, cíclica e importante. A Warner teve um comportamento respeitoso com o diretor-produtor, provocando ciumeiras de outros realizadores, como Robert Altman e Warren Beatty.
Um crítico certa vez observou que Kubrick tinha a visão da tendência futura do cinema. Sempre que inovava num tema, seguia-se uma série de produções do gênero. Foi assim com a ficção científica, a guerra, o humor negro, a violência, o terror, o tema histórico, os efeitos especiais.
E agora "De Olhos Bem Fechados", este "Forrest Gump" no mundo do sexo, deverá desencadear uma enxurrada de filmes de sacanagem.


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