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MEMÓRIA
Conversando com ele, nos distantes 50's
ÁLVARO DE MOYA
especial para a Folha
Em 1958, eu estagiava na CBS
Television, em Nova York, e fui a
Hollywood entrevistar Stanley
Kubrick para a Folha.
Nos estúdios da Paramount, a
todo instante, ele pedia desculpas,
a fim de ir à sala ao lado, atender
Marlon Brando. Kubrick dirigiria
"A Face Oculta". Brando brigou
com ele, despediu-o e dirigiu magistralmente seu único filme.
O diretor Anthony Mann ficou
doente e Kirk Douglas, que tinha
sido dirigido por Kubrick no ano
anterior, em "Glória Feita de Sangue", sugeriu o americano como
substituto. E "Spartacus" foi realizado, sem direito a montagem.
O roteirista de "Glória Feita de
Sangue", Calder Willingham, colaborando no filme de Brandon-Kubrick, fazia sala para mim. Perguntei a Willingham, impressionado com as respostas do entrevistado, se Kubrick não era mais
interessado na forma do que no
conteúdo. O roteirista contestou,
argumentando que ele se preocupava muito com as mensagens do
filme. Vide "Glória".
Naqueles longínquos anos 50,
perguntei ao diretor como tinha
feito aquele movimento de câmera em "Glória", na célebre cena da
trincheira. Ele estranhava essa
pergunta que todos lhe faziam,
talvez, acreditava, por ser um ex-fotógrafo profissional, desde os 18
anos, das revistas "Look" e "Life".
"O movimento é simples. Kirk
Douglas está sentado na banqueta
do diretor de fotografia, fingindo
que está andando. O travelling é
para trás. Os trilhos são as próprias tábuas das trincheiras no
chão e os soldados, espremidos
pela passagem da câmera, recolocam-se em posição guerreira,
após o movimento. O foco utiliza
o "pan-focus", desenvolvido em
"Cidadão Kane'". E acrescentou:
"Eu é que não entendo como Orson Welles faz aqueles movimentos de câmeras, como em "A Marca da Maldade'".
Quando perguntei quais, ele
descreveu com detalhes um certo
movimento que eu não tinha visto. Ele insistiu e imitou a câmera.
Deu uma luzinha na minha cabeça. "Tinha um mambo como fundo musical?". "Sim." A Universal,
na distribuição brasileira, refez os
letreiros em português, tirando as
imagens da abertura de "A Marca
da Maldade", deixando só o som.
Depois da invenção da "steady-cam", Kubrick pôde realizar, em
"O Iluminado" (80), os movimentos de câmera que Welles fazia com os pesados equipamentos
do passado.
Kubrick revelou, na época, que
assistia tudo quanto era filme. Todos. Foi assim que viu o filme brasileiro "O Cangaceiro" (53). Gostou muito e o recomendou a
Brando, o qual tem o costume de
escrever cartas e mandou uma
para Lima Barreto, dizendo que
gostaria de ser dirigido por ele. E
Kubrick quis saber do paradeiro
do diretor brasileiro. "Está execrado, como todo brasileiro que
faz sucesso." "E gasta muito",
acrescentei. "George Stevens
("Um Lugar ao Sol", 52) estoura
todos os orçamentos e continua",
respondeu o diretor.
Pediu-me que sugerisse uma
atriz brasileira, morena, para fazer uma mexicana. Tinha assistido, na véspera, um semidocumentário sobre a Amazônia, feito
por um polonês radicado no Brasil, Zigmunt Zulistrowsky, em
L.A., em exibição privada, no qual
havia uma bela figurante morena.
Dei-lhe o cartão de Z.Z., mas Katy
Jurado acabou fazendo o papel.
Nós já tínhamos visto, em São
Paulo, "A Morte Passou por Perto" (56) e "O Grande Golpe" (57),
os filmes precedentes de Kubrick;
porém, ele superou as expectativas, sabendo se impor a Hollywood, vivendo longe, na Inglaterra e na Alemanha (onde o maestro Júlio Medaglia, seu vizinho,
discutia com ele, rejeitando o seu
uso de clássicos de forma equivocada, a seu ver, nos filmes "2001" e
"Laranja Mecânica").
Distante e livre de interferências
comerciais que prejudicariam sua
obra, Stanley Kubrick conseguiu
construir uma carreira pessoal, cíclica e importante. A Warner teve
um comportamento respeitoso
com o diretor-produtor, provocando ciumeiras de outros realizadores, como Robert Altman e
Warren Beatty.
Um crítico certa vez observou
que Kubrick tinha a visão da tendência futura do cinema. Sempre
que inovava num tema, seguia-se
uma série de produções do gênero. Foi assim com a ficção científica, a guerra, o humor negro, a violência, o terror, o tema histórico,
os efeitos especiais.
E agora "De Olhos Bem Fechados", este "Forrest Gump" no
mundo do sexo, deverá desencadear uma enxurrada de filmes de
sacanagem.
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