DA REPORTAGEM LOCAL

Uma Roma também razoavelmente suja e caótica não bastou para a série rival "O Império" ganhar autenticidade. Além de uma trama fantasiosa, a série em três episódios é fiel herdeira dos mitos que a cultura pop divulga sobre Roma e os romanos.
O problema começa pela escolha de personagem principal: um gladiador. Certamente é um eco do bem-sucedido filme "Gladiador", com Russell Crowe no papel de um desses lutadores de circo. Mas insistir em centrar a trama em um desses tipos é o mesmo que pretender fazer um filme sobre os EUA e suas guerras com base em um jogador de beisebol.
Se a primeira temporada de "Roma" termina com a morte de César, "O Império" começa pouco antes dela. César foi assassinado no Senado em 44 a.C. por instigação de Brutus e Cássio. A série conta o relacionamento subseqüente entre Marco Antônio, que fora subordinado de César, e Otávio, seu sobrinho-neto e filho adotivo de César (e futuro primeiro imperador romano, Augusto).
O gladiador é o cipriota Tyrannus, que não impede a morte de César, mas jura proteger seu herdeiro, Otávio. Eles vivem aventuras amalucadas. A história é relatada por Camane, uma sacerdotisa da deusa Vesta. O voto de castidade da bela vestal cria uma tensão romântica com Otávio.
A violência nos circos romanos é um dos aspectos que mais tendem a chocar o espectador. Mas o cinema sempre exagerou. Gladiadores não eram descartados do modo como Hollywood representa. Muitos viravam estrelas.
A idéia de que Roma era uma civilização "decadente" surgiu de autores cristãos antigos que criticavam o paganismo. O mundo romano virou sinônimo de bacanais, devassidão, corrupção.
"Preconceitos contra a antiga Roma são comuns", diz o pesquisador alemão Christoph Höcker; a cultura romana seria um mero apêndice da grega. "O julgamento negativo de Roma é um ponto de vista que mesmo em tempos antigos já criava uma compreensão unilateral da cultura romana que persiste hoje em romances, filmes e HQs." Basta pegar qualquer volume de Asterix para perceber.
"O Império" tem, por exemplo, suas doses de orgia, políticos e latifundiários corruptos. E até um mito politicamente correto: um comandante negro. (RBN)