São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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Abordagem destaca criatividade humana

da Equipe de Articulistas

À primeira vista, "Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos" é um longo videoclipe sobre o século 20, que cola aleatoriamente imagens de natureza diversa para constituir mais uma atmosfera do que um pensamento.
Mas essa primeira leitura é enganosa. Com mais atenção, percebemos que há um princípio conceitual na organização das imagens. Mais até: há uma visão de mundo.
Não, o século 20 não foi uma sucessão caótica de guerras, revoluções e descobertas tecnológicas. Foi uma realidade complexa e fugidia, construída por milhões de anônimos que sonharam, se iludiram, criaram, tiveram esperanças.
Em contraponto com a efígie dos "grandes vultos", as microbiografias dessa miríade de zés-ninguéns não pretendem resumir a história do século e sim dar-lhe uma consistência física, carnal -e social.
A escolha desses personagens não foi aleatória. Na história trágica do kamikaze japonês, reflete-se todo o drama do império fascista nipônico. Na do pedreiro de Nova York, o crescimento vertiginoso da economia norte-americana.
Quando se mostra uma mulher trabalhando numa fábrica de armas, fala-se indiretamente da integração feminina no mercado de trabalho e da mercantilização da morte pela indústria bélica.
À imagem de uma Europa em ruínas contrapõe-se a de uma América em construção.
Não há locução nenhuma no filme, apenas letreiros (às vezes informativos, às vezes jocosos) e música. Esta última, assinada por Wim Mertens, é um tanto cansativa e repetitiva. O filme ganharia muito se tivesse mais silêncio.
Outro acerto do documentário é fugir do esquema didático-determinista que costuma mostrar as manifestações artísticas como reflexo ou efeito das "causas" econômicas, sociais ou políticas.
No filme de Marcelo Masagão, é muitas vezes o fato artístico -por exemplo, a dança de Nijinski- que transforma o mundo.
Nessa releitura do século, aliás, o corpo ganha uma importância central. Não por acaso, as pernas de Garrincha e Fred Astaire ocupam mais tempo que as insanidades de Hitler ou Stálin.
Pode não ser uma verdade histórica, mas é, com certeza, uma verdade poética. (JGC)


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