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MÍDIA
Por que Lula foi à Globo
CARLOS HENRIQUE SCHRODER
Na última quarta-feira, a
Folha dedicou parte do editorial "O início", várias colunas
(Clóvis Rossi, Fernando Rodrigues, Xico Sá), notas (Painel) e
uma página da Ilustrada para criticar as entrevistas do presidente
eleito na Globo. A primeira, de alguns poucos minutos, no "Fantástico", e a segunda, no "Jornal
Nacional" de segunda-feira.
Primeiro, é preciso explicar que,
diferentemente de outros meios
de comunicação, em televisão tudo tem que ser feito previamente.
Embora uma entrevista seja ao
vivo, é preciso organizar, fazer
convites, montar uma verdadeira
parafernália técnica para que tudo vá ao ar na hora certa e com a
qualidade desejável.
As entrevistas com o presidente
eleito (fosse ele Lula, Serra, Ciro
ou Garotinho) estavam previstas
no desenho da nossa cobertura
das eleições. Constavam do plano
traçado ainda no ano passado e
que foi apresentado aos assessores dos candidatos em abril deste
ano e por todos aceito.
Tudo ali exposto foi rigorosamente cumprido: entrevistas na
Globonews, no "Jornal Nacional",
no "Jornal da Globo", no "Bom
Dia Brasil", debates no primeiro e
segundo turnos e entrevistas com
o presidente eleito e um "Globo
Repórter". O debate para o segundo turno, exatamente com o formato que foi ao ar, foi negociado
com todos os candidatos já na
reunião de abril.
Finalmente, o documento com
as regras do debate foi assinado
em 23 de agosto, muito antes até
mesmo do fim do primeiro turno.
Previmos também, ainda em
abril, uma entrevista com o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao vivo, no "Jornal Nacional",
na semana seguinte ao segundo
turno, fosse quem fosse o ganhador. Esta entrevista, aliás, ocorreu
anteontem.
No dia do primeiro turno,
quando havia a previsão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de
que a apuração terminaria em
cinco horas, negociamos com o
primeiro colocado uma entrevista
exclusiva, caso ele fosse eleito no
primeiro turno. E negociamos
com os três outros candidatos a
mesma entrevista, caso eles passassem para o segundo turno.
Para tanto, instalamos nossos
equipamentos de transmissão direta, via satélite, onde cada um deles estava, em diferentes Estados
da federação. Como a apuração se
arrastou, as entrevistas se frustraram.
Logo no dia seguinte ao primeiro turno, iniciamos negociações
com os dois candidatos para que,
tão logo fossem eleitos, Lula ou
Serra concedessem entrevistas
para o "Fantástico", para o "Jornal Nacional" do dia seguinte e
para o "Globo Repórter". Ambos
concordaram com antecedência,
honrando o compromisso firmado em abril (basta checar com a
assessora de José Serra, Andrea
Gouvea Vieira).
Naturalmente, na última semana antes da eleição, quando as
pesquisas já indicavam o franco
favoritismo de Luiz Inácio Lula da
Silva, as negociações com a assessoria dele para as entrevistas do
"Fantástico" e do "Jornal Nacional" foram mais intensas.
Da mesma forma, demos início
à produção para levar ao ar um
"Globo Repórter" sobre Serra ou
Lula, dependendo de quem se elegesse. Temos hoje pronto material para os dois programas. Porque a Globo entende que informação de qualidade é isso: informação correta, isenta e oferecida
em primeira mão.
Desconhecendo tudo isso, a Folha estranhou a duração do "Jornal Nacional" de segunda-feira
(uma hora e 15 minutos) e questionou o tom de perfil que exibimos do presidente eleito, chegando a estranhar o fato de termos
classificado a eleição do petista
como "uma conquista histórica".
E destacou a frase, dita no perfil
elaborado por nosso repórter
Marcelo Canelas: "Moradores de
cortiço, operários, engraxates: um
de vocês é hoje o presidente do
Brasil".
No mesmo dia, no entanto, a
Folha publicou edição especial,
com mais de 30 páginas dedicadas ao tema, com a seguinte manchete: "Metalúrgico é o primeiro
líder de esquerda a ser eleito no
país". No corpo da chamada, dizia: "Nascido em Garanhuns, Pernambuco, Lula migrou aos sete
anos para São Paulo. Foi vendedor de rua, engraxate, contínuo e
torneiro mecânico". É como se a
Folha acreditasse que ela pode; os
outros não.
Causam revolta também os artigos de diversos colunistas que estabeleceram uma relação entre a
cobertura que a TV Globo fez da
vitória do PT e o anúncio da Globopar sobre reestruturação de sua
dívida. Alguns chegaram a lembrar o apoio que o PT teria dado à
alteração do artigo 222 da Constituição, como se esta modificação
fosse do interesse exclusivo da TV
Globo.
Em nome dos jornalistas que
aqui trabalham, gostaria de dizer
que as decisões empresariais do
grupo não interferem de nenhum
modo em nossas decisões editoriais. E é sempre bom lembrar que
a modificação do 222 foi defendida por editoriais da Folha e apoiada pela Associação Nacional de
Jornais e pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
O que mais me espantou, no entanto, foi o que a Folha fez com a
minha entrevista, publicada na
Ilustrada. Ela foi concedida antes
da eleição, antes mesmo do debate, e a mim foi garantido que ela
seria publicada depois da eleição,
depois que eu pudesse atualizá-la
sobre o debate de sexta-feira, o
que não foi feito.
O que se viu, no entanto, foi
uma edição em que tudo levou o
leitor a imaginar que a minha entrevista versava sobre as entrevistas concedidas pelo presidente
eleito.
O antetítulo dizia: "Após entrevistas exclusivas ao "JN" e "Fantástico", Lula deve receber convite de
Faustão". O título estampava: "A
festa é nossa". E o subtítulo: "Diretor de jornalismo da Globo,
emissora privilegiada pelo novo
presidente nos dois primeiros
dias após a eleição, faz à Folha um
balanço da cobertura eleitoral".
E, o pior, depois de dar a audiência da entrevista do presidente eleito no "Jornal Nacional", a
Folha publicou a seguinte declaração, atribuída a mim: "Na Globo, a audiência nas entrevistas foi
excelente", diz Carlos Henrique
Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo". Ou seja, a Folha enganou o seu leitor.
Omitiu que eu dei a entrevista
antes mesmo da eleição, antes
mesmo portanto das entrevistas
de domingo e segunda. E usou
uma declaração minha sobre as
entrevistas dos candidatos, durante toda a campanha eleitoral,
como se ela se referisse às entrevistas do presidente eleito.
E, na franca resposta que dei sobre o debate de 1989, a Folha "editou" a minha resposta, publicando apenas a parte que interessava
a ela e omitindo o que eu considerava os trechos mais esclarecedoras. Fez comigo o que acusa a Globo de ter feito em 1989.
A nossa isenção conta com o
testemunho público dos candidatos. A qualidade de nossas entrevistas conta com os elogios que
recebemos de toda a imprensa,
inclusive da Folha, antes que a
dor do furo a tivesse cegado.
Carlos Henrique Schroder, 43, é diretor da Central Globo de Jornalismo
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