São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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Beethoven & Freire

Com novo disco em que interpreta o mestre alemão, Nelson Freire diz que apresentará "programa-surpresa" em São Paulo, depois de tocar no Municipal do Rio

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nelson Freire está com disco novo de Beethoven no mercado (leia mais abaixo), mas nem ele sabe o que vai tocar no recital de lançamento no Auditório Ibirapuera, dia 9, já com ingressos esgotados. "Pediram-me um programa-surpresa. Vai acabar sendo surpresa para mim também, já que posso decidir só na hora", diz.
O pianista falou à Folha por telefone, de Paris, às vésperas de embarcar para o Brasil. No sábado, interpretou, no Théatre des Champs-Elysées, na capital francesa, à frente da Orquestra de Estrasburgo, dirigida pelo alemão Marc Albrecht, o mais recente item de sucesso de sua discografia -o segundo concerto para piano e orquestra, de Brahms.
"Foi uma festa aqui na rua, porque a Martha [Argerich, pianista argentina, sua amiga há cinco décadas] também tocava no mesmo horário", conta. "Não pudemos ir ao concerto um do outro, mas ficamos em casa, depois, até 4h, vendo filmes e tomando champanhe."
O mais provável é que o repertório da apresentação em São Paulo mescle os itens que Freire executa no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos dias 5 e 7. No domingo, ele interpreta a sonata "Waldstein", de Beethoven, mais uma seleção que inclui o "Prelúdio, Coral e Fuga", de César Franck. Já a apresentação de terça-feira traz a "Sonata Opus 110", de Beethoven, as "Cenas Infantis", de Schumann, e ainda uma série de obras de Chopin.
"Como dizia o pianista Arthur Rubinstein, montar um programa é como organizar um cardápio", compara Freire. "A gente escolhe uma peça que queira tocar -no caso, as sonatas de Beethoven, por causa do disco- e, depois, vê o que vai bem junto."

Inspirações
Rubinstein foi também sua inspiração na idéia de executar programas distintos em recitais próximos, na mesma cidade. Um dos passatempos do saudosista Freire é folhear livros com a história do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e comparar o passado e o presente da vida musical da cidade.
"Nos anos 20 e 30, pianistas como o Rubinstein e o Brailowsky, quando visitavam o Brasil, ficavam um tempão por aqui e tocavam 17 programas diferentes", conta. "Foi uma realidade que eu cheguei a conhecer. Hoje, isso não mais existe. Com as facilidades do avião, acabou-se o tempo das pessoas", avalia.
Outro pianista da primeira metade do século passado, o austríaco Artur Schnabel parece ter sido a inspiração principal de Freire no seu recém-lançado álbum, que traz as sonatas "Waldstein", "Les Adieux", "Ao Luar" e "Opus 110", de Beethoven (veja, no quadro ao lado, as gravações preferidas de Nelson Freire). Um pioneiro, que praticamente criou a tradição moderna de interpretar as sonatas de Schubert nas salas de concerto, Schnabel já foi chamado por especialistas de "o pianista que inventou Beethoven".
"Schnabel é o meu pianista preferido neste repertório, e ele toca bem mais rápido do que a falsa tradição que se firmou depois", afirma. "As críticas da época dizem que Beethoven, como pianista, às vezes tocava tão rápido que as orquestras tinham dificuldade em acompanhá-lo. Esse caráter fogoso e cheio de vitalidade é o que penso estar mais em acordo com o espírito da obra."

Freire em discos
A carreira fonográfica de Nelson Freire começou a virada em 1998, quando ele foi o único brasileiro escolhido para integrar "Great Pianists of the 20th Century", ambiciosa coleção da Philips que pretendia fazer um sumário do que de mais relevante havia sido lançado em discos de piano ao longo do século 20.
Em seguida, veio o contrato com a multinacional Decca/Universal, pela qual, a partir de 2002, o pianista começou a gravar álbuns solo dedicados ao repertório romântico, de Chopin, Schumann e Brahms.
"Foi bom agora gravar Beethoven para mostrar um outro lado meu, já que meus discos estavam muito centrados em uma certa época, e eu não queria ficar estereotipado", reflete.
O sucesso dos novos álbuns acaba por estimular o relançamento das antigas gravações do artista. A Warner está colocando no mercado europeu um disco triplo, que contém registros de Villa-Lobos e Chopin que ele fez nos anos 70, para o selo Teldec.
Com relação aos próximos álbuns, sua única certeza é a de que eles existirão, mas o repertório ainda resta por escolher. Em 2007, Freire cumpre uma atarefada agenda de apresentações nos principais centros musicais do planeta, incluindo uma aparição no Festival de Salzburgo, em agosto.
Ele é ainda um dos pianistas da turnê européia que a Osesp realiza a partir de março do ano que vem (o outro é o húngaro Deszö Ránki).
A peça que ele executa na excursão é o mesmo "Concerto nš 4", de Rachmaninov, que tocou com a orquestra na Sala São Paulo neste ano. O maestro John Neschling, diretor artístico da orquestra, já anunciou que o pianista integrará a turnê que a Osesp pretende fazer no Japão, em 2008.
Contudo, no ano que vem, o artista não faz parte da lista de solistas que tocam com a orquestra por aqui. Por sinal, ele ainda não tem nenhuma apresentação confirmada no Brasil para 2007, mas não se preocupa: "As coisas por aí são mesmo agendadas em cima da hora".


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