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crítica
Diretor faz cinema emotivo, apurado e popular sem apelar à estética da TV
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
S
ímbolo máximo do esporte coletivo, o futebol
é a linha que organiza a
ficção traçada por Cao Hamburger em seu segundo longa,
"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", após sua excelente incursão no universo das
séries com "Filhos do Carnaval". Tendo como pano de fundo a Copa de 1970, o filme narra
a descoberta do mundo de um
garoto que fica sozinho depois
que seus pais se lançam numa
participação na luta armada.
Desta vez, contudo, a crônica
dos anos de chumbo, tema recorrente no cinema brasileiro
recente, não é o mote principal.
Pois a política reaparece aqui
só para acentuar o lugar a ser
ocupado, tema construído com
enorme eficácia pelo diretor
com a presença magnética de
Michel Joelsas no papel de
Mauro, um garoto de 11 anos
aficionado por futebol.
Significativamente, a posição
favorita de Mauro no jogo é a de
goleiro. Lugar atípico e contraposto ao coletivo que move a
partida, pois a posição do goleiro é a da pura solidão.
Ele precisa se mover quase
exclusivamente pelo olhar sem
se deslocar fisicamente de seu
lugar, e é este o drama encenado por Hamburger tendo Mauro como protagonista. O garoto
fica sozinho dentro do apartamento do avô morto, à espera
de um contato que anuncie o
retorno dos pais. Evita se deslocar deste espaço para não perder um eventual telefonema.
Desta posição única e inconfundível, Hamburger arma um
jogo de relações que se expande
pela vizinhança e pelas ruas do
Bom Retiro, com sua multiplicidade racial, signo em escala
reduzida do próprio Brasil.
A presença de uma criança
como protagonista não é recurso incomum no cinema. Desse
ponto de vista, os cineastas
conseguem mostrar uma visão
ainda não codificada, em construção, capturando o que se
costuma designar "inocência
do olhar". É esse aspecto de
inacabamento, revelado por
meio de cuidadosos exercícios
de descoberta, que Hamburger
alcança com enorme eficácia.
Para além de sua elaborada
estrutura dramática e visual,
"O Ano..." é uma proposta de cinema popular sem ser popularesco, sem se limitar à transposição de elementos da TV (atores e tramas) para se comunicar. Em suma, o que Hamburger realiza é um cinema emotivo e sofisticado e, com esse filme, marca um golaço.
O ANO EM QUE MEUS PAIS
SAÍRAM DE FÉRIAS
Direção: Cao Hamburger
Produção: Brasil, 2006
Com: Michel Joelsas, Caio Blat
Onde: a partir de hoje no cine Espaço
Unibanco e circuito
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