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comentário
Bom Retiro tinha mundos distintos
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No Bom Retiro de 1970
havia o Renascença e o
Scholem. O Renascença
era a escola mais conservadora, dos filhos de imigrantes. Era o colégioa de
centro-direita. Já o Scholem era a escola dos brasileiros, assimilados e contrários à religião.
Num se ensinava hebraico, a língua sagrada.
No outro, iídiche, língua
laica. O professor de Educação Moral e Cívica do
Renascença era o Clóvis,
patriota convicto. No
Scholem, provavelmente
nem havia essa disciplina.
Eu era do Renascença e,
como vários personagens
do filme "O Ano em que
Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger,
não fazia idéia do que
eram direita e esquerda.
Éramos filhos de imigrantes, para quem a taxa
de juros era mais importante do que a política. Diferente dos alunos do
Scholem, que sabiam de
coisas muito misteriosas.
Não por coincidência, no
filme a escola é utilizada
como locação para a célula
de esquerda.
E havia também o lado B
do Bom Retiro, formado
principalmente pelos italianos. Eles moravam numa parte menos nobre do
bairro. Que, aliás, nunca
foi nobre, porque a parte
verdadeiramente rica do
Bom Retiro ficava mesmo
em Higienópolis.
São esses os três mundos do filme. O judaísmo, a
ditadura e o futebol. Como
torcer pela Copa em iídiche? Como lidar com a ditadura quando se acabou
de escapar do nazismo?
Com uma seleção como
aquela, como um militante de esquerda poderia
torcer contra o Brasil?
E, mesmo assim, no filme, a luta contra a ditadura, o judaísmo e o futebol
possuem conteúdos comuns, principalmente para um futuro goleiro, como
é o protagonista Mauro,
ou Moishele, numa comparação hilária com Moisés, que, como o personagem, também foi encontrado por estranhos. Só
que no filme a princesa é
um vizinho do avô recém-falecido, e a beira do Nilo é
um prédio do Bom Retiro.
É o ponto de vista da redenção, de uma reserva
possível de resistência,
que torna esses três mundos familiares, mesmo que
tão distintos.
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