São Paulo, quinta-feira, 02 de novembro de 2006

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Crítica/"A Última Noite"

Altman filma seu retrato afetivo do rádio

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O elenco estelar (Meryl Streep e Lily Tomlin à frente) chama naturalmente a atenção, mas o astro mais reluzente de "A Última Noite" é o rádio, celebrado pelas relações de afetividade que estabelece ao longo do tempo com o seu público.
É um registro mais próximo, portanto, do romantismo felliniano evocado em "Radio Days" (1987), de Woody Allen, do que dos sentimentos perigosos despertados em ouvintes pelos radialistas de "Perversa Paixão" (1971), de Clint Eastwood, por exemplo.
O argumento se inspira no programa "A Prairie Home Companion", criado em 1974 por Garrison Keillor e ainda hoje no ar, com 32 apresentações de duas horas por temporada, transmitidas aos sábados em cadeia nacional nos EUA.
No filme, o apresentador (Keillor, que é escritor e também assina o roteiro) e seus convidados protagonizam, sem que os ouvintes saibam, a última transmissão do programa, ao vivo, de um teatro.
Parecem todos -o rádio, os artistas e o teatro- fora do tempo, um tanto deslocados em um mundo (representado pelos proprietários da emissora) que não tem mais paciência com "velharias".
Nesse limbo, o diretor Robert Altman, 81, cria uma atmosfera de nostalgia em que a amargura da situação é equilibrada pelo olhar carinhoso que o filme dedica à trupe, sobre a qual pesa a responsabilidade de representar a categoria mitológica dos profissionais do entretenimento popular.
Como na maioria dos filmes de Altman, entre os quais "Nashville" (1975) e "Short Cuts" (1993), a narrativa segue a lógica do mosaico, saltando de um grupo de personagens para outro, nos bastidores e no palco, com musicais intercalados.
Ao diluir a idéia de trama ou fio condutor, a fragmentação serve também para estender preguiçosamente o tempo, como se estivessem todos à espera de salvação não só para o programa mas também para o momento em que precisarão dizer tchau e seguir em frente.
O que leva à impropriedade do título brasileiro (que coincide com o de "The 25th Hour", de Spike Lee): a "última noite" do programa, e de um ou dois personagens, é a primeira do resto das vidas dos outros.


A ÚLTIMA NOITE    
Direção: Robert Altman
Produção: EUA, 2006
Com: Meryl Streep, Lily Tomlin
Quando: em cartaz no cine Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito



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