São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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comentário

Greenpeace e Unicef unidos no coração de Jesus

LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA

Imagine você andando por uma livraria de aeroporto. De repente, você topa com uma capa lindíssima, com um grande olho feminino verde nela. Maquiado e penetrante. Você começa a folhear a elegante revista, excelente qualidade de papel, e percebe fotos de gente famosa como Che Guevara, Angelina Jolie, Bono e outras personalidades pop.
Continuando sua pesquisa, ainda movida por aquela preguiça de quem olha sem ver muita coisa, você percebe uma frase escrita em letras que lembram a publicidade de jeans -"Repent and sin no more!" (arrependa-se e não peques mais!), do pôster de Andy Warhol.
Não estranhe se sentir uma leve desorientação. O que é isso?? Na página ao lado, um índice revela a verdadeira identidade daquilo que até então você pensava ser uma revista nova no mercado americano: Matthew, Mark, Luke, John (Mateus, Marcos, Lucas, João).
O que você tem em suas mãos é o Novo Testamento. Mas como pode ser? Depois de uma rápida leitura de alguns trechos, não há qualquer sombra de dúvida. Seguindo adiante, no momento da narrativa do nascimento de Jesus, uma mulher negra com seu bebê no colo é rapidamente identificada como Maria e seu Deus-bebê. Nesta Bíblia pop, Jesus é negro. Marketing multicultural politicamente correto.
A curiosidade toma conta de você e a investigação se aprofunda. Pulando para as últimas páginas, um trabalho sofisticado de imagens te leva ao Book of Revelation (Apocalipse). Aí, uma mistura de crianças famintas, terras inundadas, mundos poluídos, rostos monstruosos, animais trucidados revelam a leitura pop do fim do mundo. Unicef e Greenpeace unidos no coração de Jesus.
Ao final, uma sensual foto em preto-e-branco anuncia o lançamento em 2009 do Velho Testamento: um close no rosto de um homem e de uma mulher revela o último minuto antes de um delicioso beijo na boca. Com certeza uma referência ao erótico livro hebraico Cântico dos Cânticos, conhecido pela tradição judaica como o "Santo dos Santos" entre os livros da Bíblia Hebraica (o Velho Testamento na terminologia cristã clássica), matriz bíblica da reflexão mística posterior.
O que você tem em mãos é uma nova edição integral do Novo Testamento, preparado pela Sociedade Bíblica Americana, conhecida por ter feito traduções da Bíblia no início do século 19 para línguas nativas como delaware, mohawk e cheroqui.
Sensibilidades conservadoras podem sofrer um pouco. Eu adorei.


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