São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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Para veteranos, "Mad Men" é caricato

Profissionais como Washington Olivetto e Alex Periscinoto comentam série sobre o mundo da publicidade nos anos 60

Contrariando as críticas dos mais velhos, jovens publicitários elogiam o retrato criado pelo programa americano

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

"É uma caricatura!", dizem os mais velhos. "Não, as coisas são assim mesmo", retrucam os mais novos. O mundo da publicidade debate, entra em conflito e ao mesmo tempo se identifica com "Mad Men", o seriado que retrata uma agência do ramo, na Nova York do começo dos anos 60.
Os personagens são jovens criativos, ricos, que fumam desbragadamente, coqueteiam as secretárias e fazem reuniões regadas a uísque, martínis e outros drinques.
Entre uma coisa e outra, têm idéias sensacionais para fazer vender itens de consumo que faziam parte do cotidiano dos EUA de então: cigarros, desodorantes, batons, eletrodomésticos, viagens etc.
Washington Olivetto, 56, da W/Brasil, concorda que houve uma revolução criativa naquela época, mas que o demais está exagerado.
"Os publicitários nunca foram tão visíveis como aparecem ali. Folclorizaram demais seus hábitos e modos de trabalhar. Quando é sabido que os grandes criadores do período eram tipos muito austeros."
O veterano Alex Periscinoto, 83, da SPG&A, também acha que há excessos. "A série retrata o período como uma novela muito bem-feita, mas a parte publicitária propriamente dita é fraca", diz Periscinoto.
"As campanhas apresentadas são primárias, e mostra-se a profissão como um ofício fácil. Não é e nunca foi, trabalha-se muito no meio. É por meio da transpiração que surgem as boas soluções."

Mito da criação
Já quem está nesse mundo há menos tempo não vê em Don Draper um personagem caricato. O tipo encarnado pelo ator Jon Hamm -que, por conta de seu estilo de galã antiquado, já foi comparado até com Gregory Peck- é um diretor de criação charmoso e mulherengo, que tem idéias para fantásticas campanhas num átimo, entre aventuras sexuais ou corriqueiros porres.
"Hoje, o modo como se trabalha mudou. Valorizam-se mais as partes de planejamento e pesquisa ao construir uma campanha e não se depende de insights de um só indivíduo. Mesmo assim, na prática, o diretor de criação ainda é o principal ícone. A primeira pergunta que se faz para avaliar a qualidade de um escritório é quem é seu diretor de criação. Ou seja, o estereótipo que Draper representa é bastante fiel e atual", diz Zé Roberto Pereira, 33, da Buzz Comunicação.
Ele considera, ainda, que apesar de o seriado tratar de um tempo diferente, muito do que está ali é um espelho verdadeiro. "Todo esse clima glamouroso e sedutor, os profissionais prepotentes e irônicos, as disputas internas etc. Tudo tal e qual ainda funciona nos dias de hoje", conclui.

Ambiente masculino
A atualidade de alguns símbolos também é confirmada por Suzana Apelbaum, 35, da agência Hello:
"Esse cenário de competitividade profunda, em que ser criativo era sexy, é bem verdadeiro. Também hoje, apesar de tudo ter evoluído e as mulheres participarem mais do processo, trata-se de um ambiente muito masculino".
Para ela, ainda, a série tem o mérito de trazer à tona um estereótipo com o qual os publicitários sempre tiveram de lidar, que é a idéia de que fazem o que for necessário para vender seu produto.
Periscinoto afirma que esse conceito é coisa do passado. "Hoje, há muito mais autopoliciamento, e o cliente não quer saber de receber a coisa pronta, ele questiona. Além disso, está aí o Conar [Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária], que ajuda a conter abusos."
Propagandas mentirosas ou que usam preconceitos raciais, religiosos ou sexuais como ponto de partida eram comuns na época.
Em "Mad Men", vê-se como se usavam argumentos sexistas para vender batons ou como judeus eram tratados em tom de galhofa e incompreensão -algo que se pode conferir, por exemplo, no episódio em que a agência deve criar um comercial para vender Israel como destino turístico e não consegue fugir de lugares-comuns.
Olivetto diz que isso é bem exposto em "Mad Men". "Era mesmo uma época de permissividade, e a idéia de politicamente correto nem sequer existia."
Pereira crê que atualmente os clientes já não são tão ingênuos para deixar que coisas sejam vendidas a partir de mentiras. "Ainda assim, muita propaganda é feita em cima de preconceitos e de fórmulas que não mudam. Basta ver como seguem sendo os comerciais de cerveja ou de carro, que vendem a idéia de poder, sedução, conquista de mulheres etc."


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