São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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BIA ABRAMO

O espírito dos podres de ricos


Na série "Gossip Girl", o perdão a todos os males está na máquina do cartão de crédito

EM UM REALITY show, garotas esperançosas batalham para participar do mundo da beleza e do glamour. São as candidatas da segunda temporada do "Brazil's Next Top Model", exibido pelo canal de TV por assinatura Sony. Garotas bonitas de todas as partes do país, selecionadas entre milhares, acreditam que o programa será, enfim, o passaporte para uma carreira de modelo, que vai lhes trazer fama e dinheiro.
A esta altura, já foi eliminada mais da metade, inclusive, na semana passada, aquela que vinha se tornando uma espécie de favorita. Se tudo der muito certo, a que sair vencedora vai ser uma pequena engrenagem da cadeia de consumo de moda, beleza e luxo. Enquanto isso, em outro canal da TV a cabo, o Warner, moda, beleza e luxo são pano de fundo de "Gossip Girl", um daqueles seriados muito bons de tão absurdos. A série trata de um grupo de adolescentes podres de ricos do Upper East Side, reunidos numa escola ultraprivilegiada.
Segundo "Gossip Girl", esses jovens, com poder de compra e autonomia de adultos, são cínicos, malvados, seguros e supersexualizados. Nenhum deles tem, propriamente, dúvidas ou angústias, mas problemas que se resolvem em clínicas de reabilitação, em escolas internas afastadas da metrópole ou em campos disciplinares para crianças e jovens problemáticos. A sacada da série é, justamente, soar e parecer amoral -há drogas, sexo com estranhos, contravenções grandes e pequenas, complôs, furtos, enganação, crueldade, celebração do mal-, ao mesmo tempo em que, no fundo, está sempre pronta a resgatar os personagens -afinal, são tão glamourosos... A ambigüidade, entretanto, não é uma forma de oferecer personagens complexos. É que o perdão a todos os males está na máquina do cartão de crédito.
Tudo, de alguma forma, está justificado pelo poder do dinheiro dos pais e pelo fato de que, bonzinhos ou mauzinhos, esses sujeitos consomem e consomem -as coisas mais caras e exclusivas que a vitrine do capitalismo financeiro pode oferecer. Claro, há o contraponto de um personagem mais "pobre" e alternativo -mora na parte mais descolada do Brooklyn, o pai é dono de galeria de arte e ex-roqueiro-, mas ele, apesar de fazer o papel de grilo falante e torcer um pouco o nariz, também está pronto a aderir àquele mundo. "Gossip Girl" trata, justamente, do fascínio do mundo da riqueza mais glamourosa e enlouquecida, aquele do qual as modelos do reality querem tanto participar -e, agora, que seus fundamentos fizeram água, vai ser ainda mais divertido de assistir.

biabramo.tv@uol.com.br


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