São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2004

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"Duplo" de Scliar, vencedor do Booker Prize chega ao Brasil

"A Vida de Pi", de Yann Martel, tem trajetória polêmica por se inpirar em livro do autor gaúcho

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 2002 o canadense Yann Martel, 41, até então um desconhecido completo, ganhou o prêmio literário mais importante da língua inglesa, o Booker Prize.
Saiu direto da piscininha para a crista da onda, em alto mar. Mas eis que de súbito a carreira do autor de "A Vida de Pi" quase sofreu um Titanic. Martel, de uma hora para outra, passou a viver situação semelhante ao herói de seu livro, um jovem indiano que em um naufrágio acaba em um bote salva-vidas junto com um tigre.
O tigre, neste caso, se chamava plágio. Jornais do mundo inteiro arreganhavam os dentes para Martel e o acusavam de ter roubado a história de seu livro de outro romance -e de um escritor brasileiro, Moacyr Scliar.
Pi, não é segredo, sobrevive ao naufrágio. E Martel também se saiu bem. Explicou que havia citado Scliar na abertura do livro, pediu desculpas (póstumas) ao brasileiro, mostrou que apesar de ter usado a idéia central do livro scliarno "Max e os Felinos", de alguém num barco com animais selvagens (no caso de Scliar uma pantera), o resto todo da trama não tinha nada a ver (e Martel alega que nem mesmo havia lido a novela do brasileiro).
A partir daí, "A Vida de Pi" navegou de vento em popa. Foi lançado em 42 países, comercializado para o cinema (será dirigido por M. Night Shyamalan), vendeu centenas de milhares de cópias.
Quase dois anos depois, o bote de Martel chega ao Brasil, atracado pela editora Rocco. Em entrevista por telefone à Folha, ontem pela manhã, o escritor puxou logo de cara o assunto Moacyr Scliar. Leia a seguir trechos da conversa.
 

Folha - Já na primeira página do romance o sr. cita o Brasil, como um lugar onde o personagem esteve. O sr. menciona o país outras vezes ao longo de "A Vida de Pi"...
Yann Martel -
(risos)...Já sei, você vai me perguntar se é por causa do Moacyr Scliar, não?

Folha - Bem...
Martel -
Não. Eu citei o Brasil porque o personagem estudava os bichos-preguiça e sabia que existiam aí. Na época que escrevi nem liguei isso a Scliar.

Folha - Já que estamos falando em Scliar...
Martel -
(risos) Eu sabia...

Folha - ...qual a sua opinião hoje sobre este episódio? Você se arrepende de alguma coisa?
Martel -
Como é sabido, eu não havia lido "Max e os Felinos" até que acontecesse o escândalo. Conhecia só o tema do livro, por meio de uma resenha que havia lido há tempos. O romance mesmo só li depois do prêmio.

Folha - E o que achou dele?
Martel -
É um livro muito bom. Mas não tem quase nada que ver com o meu. Existe uma similaridade quanto à premissa, claro, mas o resto é muito diferente.

Folha - Você usou a palavra "escândalo". Por que a história tomou tal proporção?
Martel -
Acho que o escândalo foi em parte por minha culpa. Quando o livro saiu nos EUA me pediram para escrever um artigo sobre como tinha feito o romance. Fiz um pequeno ensaio mencionando a tal resenha, e o fiz de modo desastrado. Lembrava-me erroneamente que o texto tratava o livro de Scliar com indiferença.


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