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ANÁLISE
Evento equilibrou política, experimentação e humor
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A pulverização dos principais prêmios do 37º Festival
de Brasília do Cinema Brasileiro
(só "Cascalho" não ganhou nada)
revela o equilíbrio e a heterogeneidade que marcaram a competição, terminada anteontem.
Do drama político ("Cabra-Cega") à comédia de costumes
("Bendito Fruto" e "O Diabo a
Quatro"), do "nordestern" ("Cascalho") a duas vertentes totalmente opostas de documentário
("Peões" e "500 Almas"), houve
de tudo em Brasília, e nenhum
longa conseguiu conquistar categoricamente a supremacia sobre
os outros.
Bom sinal, talvez, pois, se não
emergiu do festival nenhuma
obra-prima, pelo menos o cinema
brasileiro mostrou vigor e renovação em várias frentes.
No documentário, por exemplo. O vencedor do prêmio principal, "Peões", filme de grande riqueza humana e substância histórica, é um passo adiante no caminho personalíssimo trilhado por
Eduardo Coutinho em busca do
inefável que se manifesta no contato com o "outro", seja este o
operário, a mãe-de-santo ou o catador de lixo.
Uma outra via do documentário é trilhada por "500 Almas", de
Joel Pizzini, uma notável tentativa
de imersão cinematográfica numa cultura à beira da extinção, a
da nação indígena guató.
Em vez do simples registro, o filme de Pizzini procura, com talento e rigor, as correspondências
audiovisuais que traduzam características dos guatós: o nomadismo, a dispersão, a língua tonal, o
ritmo fluvial do cotidiano.
É um ensaio inventivo e poético
sobre a trajetória "sui generis" de
uma cultura que se acreditava extinta, mas que renasceu pela ação
de missionários, lingüistas e etnólogos -mais ou menos como
uma vida que se mantém à custa
de aparelhos.
Ficção
No campo da ficção, o grande
vencedor, "Cabra-Cega", de Toni
Venturi, é uma nova abordagem
de um tema que vem se constituindo quase num gênero à parte
na nossa cinematografia: o ajuste
de contas com os anos da repressão militar à guerrilha.
A originalidade de "Cabra Cega" reside na circunscrição da
ação entre as paredes de um apartamento paulistano, dando ênfase
às relações afetivas entre uns poucos personagens colhidos no olho
do furacão. Uma curiosa fusão
entre os temas dos dois longas anteriores de Venturi, o documentário "O Velho" e o drama intimista
"Latitude Zero".
Mas talvez a surpresa mais grata
do festival tenham sido as comédias urbanas, em particular o excelente "Bendito Fruto", de Sérgio
Goldenberg, filme centrado num
roteiro inteligente, num elenco de
primeira linha e sobretudo num
hábil jogo de cintura no trato de
temas delicados como o racismo,
o homossexualismo e o amor na
maturidade.
Mesmo "O Diabo a Quatro", de
Alice de Andrade, comédia descabelada cuja irregularidade reflete
talvez o grande número de roteiristas (nada menos do que sete),
também contribui para um arejamento do gênero, hoje dominado
pelas inócuas "comedinhas de relacionamento" tributárias das séries da Globo e das "sitcoms" norte-americanas.
Ainda temos humor. Talvez seja
esta a notícia mais animadora que
vem de Brasília.
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