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CARLOS HEITOR CONY
Mar - Personagem de Sylvio Pinto
Tema recorrente da pintura
universal, o mar tem dois representantes na arte brasileira:
José Pancetti e Sylvio Pinto. O primeiro, mais divulgado e enaltecido, prendeu-se ao tema pelo fato
de ter sido marinheiro e por se fixar em praias geralmente desertas, captando da paisagem marinha a luz e a solidão. O segundo,
mais abrangente e humano, buscou no mar a sua fonte mais funda e complexa. Suas marinhas
-que continuam disputadas por
museus e colecionadores- nem
sempre são parecidas com as de
Pancetti. Vez ou outra, os dois
(que foram amigos e companheiros) adotam a mesma perspectiva, a mesma luz, o mesmo sentido
pictórico.
Sylvio Pinto viveu mais e viu
mais. O mar, para ele, nem sempre é reflexão e solidão. É também
faina, diversão e enigma, é o
grande mar do qual nasceu a primeira molécula de vida. Pintou
também outros temas, aqui e no
exterior, seduzido pela luz de Paris, da Espanha e de Portugal.
Mas 80% de sua obra têm o personagem que mais o intriga e o
identifica: o mar.
Nascido em 17 de março de
1918, entre o Jacaré e o Riachuelo,
subúrbios do Rio de Janeiro,
Sylvio Pinto da Silva foi um carioca típico, um brasileiro que tem
um modo especial de caminhar
pela vida, de sentir o mundo e,
por isso, de expressar o mundo e a
vida. Em linhas gerais, não faz
muita força para ser alguma coisa, vai levando e se levando ao
acaso de seu temperamento e de
sua disponibilidade.
No caso dele, as primeiras pinceladas foram dadas sob a orientação paterna, numa oficina de
propaganda. Começou a fazer
cartazes e a descobrir talento e
formosura na arte. Ele dizia que
seu nome (Pinto) é indicativo presente do verbo "pintar". E não fez
outra coisa ao longo da vida.
Conheceu José Pancetti, que o
levou a freqüentar o Núcleo Bernardelli, onde teve como companheiros Manoel Santiago, Quirino Campofiorito, Edson Mota,
Milton Dacosta, José Rescala e
Bustamante Sá. Contudo, foi com
o próprio Pancetti que mais se enturmou. Juntos, montaram um
pequeno estúdio em Copacabana.
Nesse começo de vida, não se fixara ainda nos temas que o marcariam como um dos pintores mais
populares e expressivos da moderna pintura brasileira. Fez cenários para teatro e enredos para
os primeiros desfiles das escolas
de samba. O contato com os temas populares seria uma de suas
marcas. O que não o impediria de
repetir temas clássicos, como uma
impressionante "Descida da
Cruz", influenciado, é claro, pelas
obras de Rubens, Rembrandt e
Tiepolo.
Foi o gosto comum pelo mar
que levou os dois companheiros a
se fixarem num tema que daria
glória a ambos. Pancetti fez vida
profissional na marinha mercante. Era, para todos os efeitos, um
marinheiro. Sylvio Pinto via o
mar do mesmo modo, mas o sentia de outra forma. Suas praias
têm gente, suas baías têm navios e
não apenas barcos, como nos de
Pancetti. O colorido, a tonalidade
de alguns quadros podem parecer
gêmeos -e essa aproximação em
muito afetaria o juízo da crítica
em relação à obra de Sylvio Pinto.
Dono de técnica mais acurada,
com mais escola e informação,
Sylvio não ficaria preso apenas à
poesia do mar. Dele extraiu uma
temática social e humana, são
barcos indo e vindo, navios que
chegam e partem, gente em volta
trabalhando, seja na pescaria artesanal, que ainda prevalece em
nosso litoral, ou no duro ofício da
carga e descarga -para ele, o
mar é cenário amplo, majestoso e
silente para a luta de cada dia, o
amor de cada noite.
Sylvio Pinto ainda não foi devidamente estudado e reverenciado. Mas é na sua obra que encontraremos não apenas o mar que
tanto influenciou a alma e o imaginário do povo brasileiro. Para
ele, o mar é também, às vezes, "o
espelho do espírito de Deus rude e
terrível" de que falava o poeta.
O nome e a obra do pintor foram prejudicados pela pouca exposição que a crítica e a mídia dedicaram ao artista, engolido pelo
destaque que foi dado a Pancetti,
o qual teve a seu favor a boca de
fogo acionada pelo velho Partido
Comunista Brasileiro. Sobretudo
em seus períodos de clandestinidade, o PCB tinha como estratégia cultural promover seus adeptos e simpatizantes e, não raras
vezes, sabotar aqueles que não integravam sua lista preferencial.
Prática que não é exclusividade
nacional mas adotada por todos
os PCs do mundo.
Para citar alguns casos, embora
sem entrar no mérito dos eleitos
pelo Partidão: Manuel Bandeira
teve menos exposição do que Carlos Drummond de Andrade. Colega e amigo de Portinari, com quadros em todos os museus de mundo, Teruz não tem verbete nas enciclopédias editadas por membros
do PCB. Reclamei esta falha junto
a Antônio Houaiss. Em carta a
mim dirigida, Houaiss se justificou dizendo que Teruz recebera
citação no verbete "Arte Brasileira". Foi lembrado naquela base:
"Fulano, fulano, Teruz e outros".
Jorge Amado teve trombones enquanto foi dócil ao Partidão, José
Lins do Rego só não foi esquecido
porque também era grande demais. E o próprio Jorge, ao deixar
o Partido, passou a ser criticado e
até negado -inutilmente, é claro.
Acima e além das estratégias
políticas e ideológicas, dez anos
após a sua morte, Sylvio Pinto
tem, agora, uma exposição inaugurada em Portugal.
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