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Voz de Bandeira redefine sua poesia
Antologia "50 Poemas Escolhidos pelo Autor" chega ao mercado com CD em que o escritor lê 25 de seus poemas
Para o crítico Davi Arrigucci, leituras do poeta pernambucano mostram que é um equívoco tratá-lo como autor "sentimental"
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Hoje não ouço mais as vozes
daquele tempo", declama Manuel Bandeira, num verso de
"Profundamente". Sua voz é áspera, cortante e parece mesmo
vinda de uma outra dimensão.
Sim, é um pouco fantasmagórico escutar o autor, morto
há 38 anos, ler pausadamente,
com seu forte acento pernambucano, os famosos poemas
("Vou-me Embora Pra Pasárgada", "Estrela da Manhã", "O
Cacto"), que estávamos acostumados a ver, desde a escola, ali,
presos ao papel impresso.
Mas conhecer a obra de um
dos maiores poetas brasileiros,
inspiração dos modernistas e
inovador no uso do verso livre,
por meio de sua própria fala, é
uma maneira de compreender,
de uma forma mais completa, a
riqueza de seu legado.
"50 Poemas Escolhidos pelo
Autor", livro que chega agora ao
mercado, traz esse bônus mais
do que especial. Um CD com 25
desses poemas lidos pelo próprio Manuel Bandeira (1886-1968) e registrados originalmente em três LPs, nos anos
50. "Nas gravações, é possível
notar a dureza e a precisão que
condizem com o modo de ser
de seus poemas", diz o ensaísta
e professor de literatura Davi
Arrigucci Jr. "Fica claro o equívoco que a crítica sempre cometeu, ao retratá-lo como um
poeta sentimental. Esses registros mostram que isso não era
verdade", completa o autor de
"Humildade, Paixão e Morte"
(Companhia das Letras), em
que analisa a obra do poeta.
Os LPs que deram origem ao
disco foram lançados pelo selo
Festa, que também fez gravações de outros poetas, como Vinicius de Moraes e João Cabral
de Melo Neto. Já a antologia
que compõe o livro foi realizada
pelo próprio Bandeira, também
na década de 50, para a coleção
"Cadernos de Cultura", do Ministério da Educação e Cultura.
O lançamento faz parte da
reedição da obra do poeta que a
editora Cosacnaify iniciou com
a publicação de "Crônicas da
Província do Brasil" e que seguirá até meados de 2008. Serão mais de dez
volumes, que reunirão todas as
crônicas, nos livros "Flauta de
Papel (1957) "Andorinha, Andorinha" -uma antologia organizada por Carlos Drummond
de Andrade quando Bandeira
fez 80 anos. Na seqüência, serão lançados os livros com traduções de teatro e os trabalhos
ensaísticos.
Poemas falados
No CD, a voz pausada e o tom
solene de Bandeira não soam
como sinais de erudição, muito
pelo contrário. A evocação dos
modos de falar do povo e de elementos folclóricos é freqüente
e então se percebe como os
sons das ruas de cidades em
que viveu (como Rio e Recife)
se incorporavam à sua poesia.
Em "Berimbau", ele uiva para chamar o saci. Em "Evocação
do Recife", canta imitando as
meninas que brincavam na rua:
"Roseira dá-me uma rosa/ craveiro dá-me um botão". "A poesia de Bandeira se alimenta da
oralidade popular, para a qual
tinha um ouvido acurado. A fala
brasileira é fundamental em
sua poesia, que promoveu um
casamento sui generis entre o
culto e o popular. Essa é a graça
de sua lírica", diz Arrigucci.
Para o crítico, o pernambucano se apropriava da cultura popular sem artificialismo, diferentemente do modernista
Mário de Andrade. "Bandeira
foi um gênio da naturalidade,
pois tomava essas referências
sem a afetação que se nota em
Mário de Andrade", diz.
Tuberculose
Bandeira nasceu no Recife
no dia 19 de abril de 1886, em
uma família de poucas posses.
Em 1903, mudou-se para São
Paulo para tentar se matricular
na Escola Politécnica, onde
pretendia estudar arquitetura.
Tinha então 18 anos, e descobriu que estava com tuberculose. "O ócio obrigatório a que foi
condenado por causa da doença foi preenchido pela sua imaginação poética", diz Arrigucci.
A enfermidade também o fez
ficar obcecado com certos temas e referências, por exemplo,
a nostalgia da infância, a morte,
a descoberta do sexo e do erotismo e a tristeza. "Bandeira tinha uma ironia trágica com relação ao mundo. Sua lírica referia-se à morte como exaltação
do corpo; o erotismo era um
modo de aprender por meio da
libertinagem, um modo de se
familiarizar com o fim da vida".
Apesar de não participar da
Semana de Arte Moderna, em
1922, Bandeira teve uma relação estreita com os modernistas, e se correspondeu bastante
com Mário de Andrade. "Ele foi
o São João Batista do modernismo", diz Arrigucci, que o define também como "o maior
poeta pós-simbolista do Brasil,
e um dos poucos capazes de
criar um universo lírico".
Agora esse universo ressurge, com o timbre e o sotaque do
seu criador.
50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR
Autor: Manuel Bandeira
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 49 (88 págs.)
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