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Crítica/história
"1421": eram os chineses astronautas?
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda bem que o livro era
emprestado. Senão, daria vontade de fazer como um professor universitário
de Cingapura, Geoff Wade, fez:
processar a editora por vender
gato por lebre. "1421 - O Ano em
que a China Descobriu o Mundo", de Gavin Menzies, é vendido como se fosse livro de história. Seria mais adequado se estivesse na seção de contos de
fadas ou ficção. A edição original, em inglês, falava em descoberta da América; agora a coisa
foi mais longe, e é todo o mundo que passou a ser achado pelos antigos nautas chineses.
Poderia ser um livro interessante. No começo do século 15,
os chineses enviaram frotas pelos oceanos Índico e Pacífico
comandadas por um almirante
eunuco, Zheng He. Fizeram explorações importantes, com
frotas compostas de grandes
juncos. Na época, os portugueses mal tinham saído da sua
praia lusitana, e com navios
bem menos imponentes.
Se as coisas continuassem
daquele jeito, os chineses é que
teriam chegado primeiro à Europa, e não os europeus à China. Descobrindo a América e
boa parte da África no caminho.
Mas o imperador chinês desistiu da expansão naval. Depois
de Zheng He, a China se recolheu em si mesma. Os portugueses continuaram navegando até Vasco da Gama chegar
na Índia, no final do século 15.
A história é conhecida. Menzies, um ex-comandante de
submarinos na Marinha Real
do Reino Unido, não se conformava com ela. Queria provar
que os chineses tinham andado
por mares nunca dantes navegados. O resultado é um livro
completamente maluco.
"Publish or perish" (publique
ou pereça), diz o ditado básico
da pesquisa. Se você não divulga o que descobriu, não fez nada. Menzies pesquisou 15 anos
antes de publicar. "Perisher" é
o apelido do curso de formação
de comandantes de submarinos na Royal Navy, um dos
mais exigentes do planeta. Não
é formação suficiente para
reescrever a história mundial.
Pêlo em ovo
"1421" lembra em tudo o
best-seller "Eram os Deuses
Astronautas?", de Erich von
Däniken. São autores especializados em ver pêlo em ovo.
Qualquer detalhe de um mapa
ou achado arqueológico é aclamado como "prova" de uma
teoria, deixando de lado tudo o
que possa invalidá-la. Numa
palestra em São Paulo, Däniken
mostrou fotos de índios brasileiros cobertos com roupas de
palha -uma "prova" de que estariam imitando os astronautas. Menzies abusa da mesma
loucura. Seria divertido, se não
fosse bobagem pura.
Por exemplo, uma pintura
mexicana descoberta no século
19 mostraria um animal que seria um cão da raça chinesa sharpei. Segundo Menzies, um dos
caninos dessa raça teria escapado da frota chinesa e parado
nas ilhas Falkland/Malvinas,
onde teria transado com uma
raposa, criando uma raça hoje
extinta... Os chineses também
teriam capturado preguiças-gigantes na Patagônia e deixado
uma escapar na Austrália. Seria
uma preguiça muito ágil, certamente. Só que as preguiças-gigantes estão extintas nas Américas há milhares de anos...
E por aí vai. Na falta de uma
informação, ele especula. As
maiores explorações teriam sido em anos sobre os quais não
há relatos, porque teriam sido
queimados. As colônias que os
chineses teriam espalhado pelo
mundo foram destruídas. Os
navios só passaram por locais
primitivos, de habitantes incapazes de fazer relatos claros.
Lembra as visitas dos discos-voadores, que nunca pousam
de dia na cidade. É sempre em
lugar ermo, à noite, onde só os
ufólogos podem descobri-los.
Pesquisa irrisória
O historiador Robert Finlay,
da Universidade de Arkansas,
fez uma resenha do livro de
Menzies para a revista "Journal of World History": "O raciocínio em "1421" é inexoravelmente circular, sua evidência é
espúria, sua pesquisa é irrisória
[...], suas citações são desmazeladas e suas afirmações são despropositadas", diz. Pegou pesado? Leia o livro para entender.
Finlay vê um lado positivo
em "1421". O livro pode ser usado por professores de história
para mostrar como não fazer a
coisa. Os alunos podem competir em busca das passagens
mais amalucadas do livro. Ele
cita uma boa. Os navios chineses teriam transportado para as
Américas milhões de contas de
vidro que na China eram usadas como auxiliar sexual, costuradas na pele da cabeça do
pênis para excitar a parceira
(ou parceiro). "Se de fato os capitães-eunucos das frotas de
Zheng He tentaram doutrinar
os povos que encontravam nessa prática exótica, não é difícil
imaginar porque todas as fabulosas colônias chinesas no Novo Mundo fracassaram entre os
anos de 1421 a 1492", brinca.
1421 - O ANO EM QUE A CHINA DESCOBRIU O MUNDO
Autor: Gavin Menzies
Tradução: Ruy Jungmann
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 69 (552 págs.)
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