ANNA VERONICA MAUTNER
COLUNISTA DA FOLHA

Será uma autobiografia, ou será uma biografia focada nas origens do autor? Será ficção?
Com certeza, "O Legado de Renata" é um retrato de época.
Bons tempos foram aqueles em que emigrantes migravam sem parar, século sim, século não.
Os motivos para esse nomadismo podem ser quase inúmeros, muito claramente explicado pelo autor. Uma família extensa, uma tribo judaica moradora na Itália, apresenta-se como aquilo que hoje chamaríamos de uma rede (net). A velocidade das comunicações era muito mais lenta, mas a intensidade das trocas equivalia ao que ocorre hoje com toda a parafernália de cabos e satélites em funcionamento.
Duas famílias, de Renata e de Júlio, vão sendo inseridas no presente -começo do século 20. Os partidos políticos vão surgindo, os líderes encantam uns e outros, levando até o pai do autor, apesar de judeu, à aderir ao partido fascista. Claro que logo depois se arrepende. É uma história de brigas e perdões, de descrição de usos e costumes, regionais e de época. Vivem-se amores, medos, ousadias.
As interferências da vida política, da vida familiar, descritas a exaustão no livro de Bolaffi, nos oferece uma aula dos conflitos envolvidos nas migrações e dos desenraizamentos. Pequeno comerciante, donas de pensão, as ambições dos filhos, a incerteza do que o futuro traria, tornam esta aula de história moderna muito agradável.
O autor pula com muita liberdade do presente para o passado, incluindo até a sua mulher, que aparece durante a escrita do livro. O "tempo" que corre sem desaparecer pode ser visto como personagem central desta história de uma mãe pela qual o narrador confessa persistente admiração.
A maioria dos personagens não está entre nós para confirmar ou negar o que fizeram ou sentiram. Para saber da vida da pequena burguesia italiana, ameaçada de desenraizamento, temos em "O Legado de Renata", um bom guia.