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Mônica Bergamo
@ - bergamo@folhasp.com.br
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O ex-traficante João Guilherme Estrela, que hoje é produtor musical e vai lançar um disco, ao lado de Selton Mello, no restaurante Guimas, na Gávea, no Rio
Iogurte, drogas e João
Selton Mello está percorrendo universidades do Brasil para
debater "Meu Nome não é
Johnny". O filme, que será lançado em circuito comercial no
dia 4 de janeiro, é baseado no livro de Guilherme Fiúza e conta
a vida de João Guilherme Estrela, jovem de classe média alta do Rio que, viciado em cocaína, virou traficante nos anos
90, foi preso e viveu em cadeias
e manicômios. A platéia se espanta quando o filme acaba e,
luzes acesas, Estrela surge ao
lado de Selton para participar
do papo. Eles conversaram com
a coluna. Abaixo, um resumo:
LIBERDADE E AVENTURA
FOLHA - Como os jovens que vocês encontram nos debates encaram as
drogas?
JOÃO - Sinto que eles estão
precisando conversar. Muitos
vêm falar comigo depois dos
debates, contam que já fumaram, que já beberam.
SELTON - Te pegam num canto?
JOÃO - Direto. Direto. Acontece com eles a mesma coisa que
aconteceu comigo no passado:
não foi por causa de problemas
familiares que eu fumei maconha. Foi porque a galera na rua
tava naquela aventura de liberdade, de experimentação. Eu
experimentei morrendo de
medo. Apavorado. Mas é essa
coisa do grupo, que começa a
tomar ecstasy, a fumar maconha, e rola uma certa pressão.
Então, eu sinto que muitos,
muitos jovens estão sofrendo
essa pressão. E estão com medo
de entrar numa história que é
uma roubada mesmo, né? E eu
aconselho a não experimentar
porque você pode ter propensão a um problema maior.
FOLHA - Problemas familiares influíram na sua adesão às drogas?
JOÃO - Quando eu comecei, a
minha família estava ótima, excelente. Se quiser uma resposta
na lata, é essa: eu queria liberdade e aventura. Essa é a resposta, na mosca.
LIBERAÇÃO DAS DROGAS
JOÃO - Bom, eu poderia ser a
favor se tivesse um pacote social enorme para ajudar as
pessoas das comunidades carentes a terem outro tipo de
sistema econômico circulando para que elas possam sobreviver. Eu não acho que seja
simples liberar. Você pode
transformar isso aqui num
caos, um caos social.
SELTON - Eu não tenho uma
opinião formada. E não tenho
que ter. E, já emendando no assunto que virá, de quão desgastante foi a repercussão da minha declaração [Selton disse ao
jornal "O Globo" que já experimentou "todos os tipos de drogas" e que "não dá para culpar
um cara que fuma um baseado"
pelo tráfico]: eu entendi como é
difícil ser uma figura pública. E
acho que eu só tenho que dar
uma opinião se eu tiver muita
certeza dela. Senão, é melhor
não falar nada.
LADO ROMÁRIO
FOLHA - O que te incomodou?
SELTON - Eu sou um cara discreto. Há 25 anos trabalho e você não acha coisas bombásticas
a meu respeito na internet. Foi
a primeira vez em que eu me vi
na berlinda. Então foi esquisito. Me senti estranho. Por outro lado, não me arrependo. A
gente vive numa época muito
politicamente correta. Eu acho
um saco ver coletiva da seleção
brasileira pós-jogo. São todos
iguaizinhos. É assim, "o professor pediu pra gente fazer o quatro três dois, eu achei importante a entrada do Kaká". Não
tem um que diga assim: "Puta
saco! Ele me tirou com dez minutos de jogo, eu tava jogando
pra caralho". Como o Romário
é, sabe? Mas foi a primeira vez
que eu senti que...
FOLHA - ...ser Romário não é fácil.
SELTON - É. Ser Romário não é
fácil. Ser Lobão não é fácil. O
Lázaro [Ramos] foi falar no jornal que estava se sentindo sufocado pela imprensa, que estava
colocando o casamento dele em
xeque. Você ia ver lá [na internet] as 400 opiniões sobre isso,
era nível assim: "Lázaro, cala a
sua boca e volta para Salvador e
vai trabalhar no teatro Olodum,
que pelo menos lá você não era
conhecido". Pô, então eu não
dou mais opinião sobre nada?
Eu não sei tudo! Eu não tenho
opinião sobre o aborto.
FOLHA - Mas o filme é sobre drogas, não sobre aborto.
SELTON - É, assim como eu
cheirei ralo [no filme "O Cheiro
do Ralo"]. Ninguém pergunta
se sou viciado em cheirar ralo.
FOLHA - É que não existe gente viciada em cheirar ralo no Brasil.
JOÃO - Existe sim, tem gente
que adora um esgoto.
SELTON - O De Niro, ídolo, falou
assim: "Quanto menos as pessoas souberem a meu respeito,
mais vão acreditar nos personagens que eu faço". Adoro isso. Não tem que saber da minha
vida, não. Eu tô solteiro há cinco anos. Não sou um padre. Eu
trabalho bem por aí. Você não
vê foto minha saindo com as
pessoas. É o meu lado Romário.
MULHERES E DUENDES
FOLHA - Você já disse que sonha
com uma mulher inteligente, bonita, que te ame, não goste muito de
dinheiro e não queira aparecer.
JOÃO - Manda fabricar essa aí!
FOLHA - E concluiu dizendo que
acreditava em duendes.
SELTON - Sei lá. Tô vivendo a vida aí. Não apareceu essa figura
ainda não.
ATOR-IOGURTE
FOLHA - Você já disse que não
quer ser um "ator-iogurte".
SELTON - Eu sempre falo: o
Tony Ramos é um gênio. Porque ele faz uma novela atrás da
outra e cada trabalho é completamente distinto. É um gigante.
Eu, como não tenho a capacidade dele, preferi me retirar para
fazer coisas mais elaboradas,
com mais calma, como o cinema. E novela nada mais é do
que uma ficção dividida em três
blocos para passar o comercial.
Então eu prefiro fazer logo o
comercial, que passa no meio.
Eu vou lá, gravo dois dias, ganho o que eu ganharia fazendo
uma novela inteira e neste tempo faço três filmes, entendeu?
FOLHA - Tem alguma publicidade
que você não faça?
SELTON - Já fiz de cerveja, tudo.
FOLHA - O ministro da Saúde criticou quem faz anúncio de cerveja.
SELTON - Nêgo fala muito. Fernando Meirelles é um dos
maiores cineastas do mundo.
Quando ele foi fazer cinema,
encheram o saco dele porque
ele era da publicidade. Estou
dirigindo um filme ["Feliz Natal"]. Vão criticar: "Ah, um ator
fazendo um filme". Nêgo fala
muito. Enche o saco! Todo
mundo fala muito. Talvez eu
agora, inclusive, esteja falando
muito para quem está lendo essas letras.
CLASSE MÉDIA
JOÃO - Esse negócio da classe
média ser culpada pelo tráfico,
eu acho muito engraçado esse
tipo de factóide. A classe média, média alta, jovem, praticamente não consome cocaína
mais. A droga que eles consomem não passa pelo morro.
SELTON - A gente vive a era da
droga sintética. Toda hora você
abre o jornal, tem o traficante
jovem, de classe média, sendo
preso com ecstasy. Eu tenho
gente próxima que usa. É uma
geração bem louca, que toma
ecstasy no fim de semana e toma muita coisa para malhação.
FOLHA - "Tropa de Elite", que levantou esse tema, está "atrasado"?
JOÃO - No morro, você não
compra ecstasy. E acho que a
violência está um pouco separada disso [consumo de drogas]. Tirar o Estado, tirar todo
mundo e botar a classe média
culpada, pô, é muito fácil, né?
Se fosse na época da inquisição,
pegaríamos a classe média, tacaríamos no fogo e pronto.
FOLHA - O que acham de operações como a invasão do Complexo
do Alemão, em que a polícia matou
19 pessoas?
JOÃO - Os caras volta e meia
têm que fazer guerra. Eles se
encontram e trocam tiros. Eu
acho que é uma grande perda
de tempo e de dinheiro público,
porque você não está fazendo
nada para criar uma nova geração saudável e bacana.
FOLHA - Num debate, uma senhora brigou dizendo que não existia
traficante legal, como o filme mostra. Existe?
JOÃO - Ah, eu sou um [risos].
Eu conheci gente legal. A venda
de mercadoria proibida, ilegal,
não faz do cara um ser humano
assim ou assado. O camelô vende DVD pirata, é ilegal. Isso vai
definir se ele é um grande filho
da puta ou é um cara bacana? O
que eu vi muito na cadeia foi
um romantismo robinhoodiano. Os caras contam as aventuras de forma tão romântica, tão
romântica que você quer entrar
nela [risos]. Esses caras chegam a um ponto às vezes de
bastante maldade no coração.
Mas todos foram crianças, tiveram sonhos, os olhos brilhavam. Chegou um certo momento em que isso foi quebrado na
vida deles de forma radical. No
morro, 90% das pessoas ralam
que nem loucos, ganhando mal,
muito mal. É uma resistência
de caráter absoluta. Os outros
10% vão para o crime.
Frases
"Foi a primeira em vez que eu me vi na
berlinda. Então foi esquisito. Me senti
estranho."
SELTON MELLO, comentando suas declarações sobre consumo de drogas e
financiamento de tráfico
"Eu conheci gente legal. A venda de
mercadoria proibida, ilegal, não faz do cara
um ser humano assim ou assado."
JOÃO GUILHERME ESTRELA, sobre o tempo em que ficou preso
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