São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2010

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NINA HORTA

Tempo dos grandes livros


Com 18 a 19 anos foi o tempo dos grandes livros. Os russos, os americanos de cabo a rabo, os ingleses


NA PRIMEIRA viagem à Europa, eu jurava a mim mesma. "Quando voltar, jamais terei outra vez todas as comidas na mesa de uma só vez. Vai ser entrada, primeiro prato, segundo prato." Não durou muito a resolução. A comida brasileira se presta a ser toda misturada, arroz, feijão, salada, bolinho e carne ou peixe.
Nas leituras, a mesma coisa, passei por tudo o que fosse inglês ou americano, jamais me interrogando se era boa literatura ou não. Se me prendesse a atenção, era boa.
Acho que começando pelos ingleses, por "David Copperfield" e, principalmente, "The Pickwick Papers" (as aventuras do sr. Pickwick).
Não tenho vontade de ler outra vez livros que li nessa idade. Medo de me desapontar muito. E, na época eu os adorava, eram marcantes, faziam minha cabeça. Desde "A Cabana do Pai Tomaz" ao magnífico "Tom Sawyer"... Dickens também é uma leitura possível até hoje.
No meio de coisas boas, vinham os romances de todos os tipos. Tentei decorar "E o Vento Levou" e nem me envergonho disso. De John Steinbeck, fui mordida por "Tortilla Flat" (boêmios errantes). Ria tanto, tanto, nunca havia lido um livro tão engraçado. Será? Não quero arriscar de novo. E Faulkner, que tem fama de difícil, mas é só começar e entrar naquele mundo particular dele. E Hemingway super na moda, líamos tudo, e ainda por cima facílimo. Todos escreviam à la Hemingway naquela época. Um fenômeno assim como "O Apanhador do Campo de Centeio", que, se o autor, até hoje, quer escrever na primeira pessoa, tem primeiro de matar o Holden Caufield para achar o próprio estilo.
Com 18 a 19 anos começava a querer saber cozinhar, mas foi também o tempo dos grandes livros. Todos os russos, todos os americanos de cabo a rabo, os ingleses, Jane Austen, Charlotte Bronté, George Elliot, Hawthorne, Mellville, Fitzgerald, Henry James, Evelyn Waugh, uma salada.
E os policiais tomaram um bocado do meu tempo, Conan Doyle, e aquela revistinha de papel bem vagabundo, como se chamava? Tinha uma letra X. X9? Ellery Queen, mas me apaixonei mesmo por Perry Mason, casos de juízes, detetives, advogados, essas coisas. E Ring Lardner, tão engraçado, chamava os revólveres de "old equalizers" (velhos equalizadores). Lillian Hellman (esta tem um simpaticíssimo livro de cozinha), Edmund Wilson, Nancy Mitford e Mary McCarthy. Fui fazer um teste para ver se podia entrar num ano adiantado da União Cultural Brasil-Estados Unidos e passei, mas o professor me sugeriu que largasse o vocabulário de "thrillers". Eu não dizia "to follow", mas "to shadow" (seguir ou andar atrás como sombra).
E aí veio de tudo, aos trambolhões. O primeiro livro em francês foi de Alphonse Daudet, era Tartarin de Tarascon, e um outro só de contos, "Letres de Mon Moulin" (cartas do meu moinho), com a descrição de gula de padre na missa do galo e a liberdade da cabra do Monsieur Séguin. Marcou.
E Pierre Loti, Balzac, Zola, Anatole France, Molière, Renan, Claudel, Valery... Impressionante, tudo que caía no papo descia, mal digerido, mas descia. E aí veio a universidade.

ninahorta@uol.com.br


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