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Serra
Artista americano
ocupa Centro de Arte
Hélio Oiticica, no
centro do Rio, com
'Rio Rounds', dez
círculos variáveis
pintados de preto
Publius Vergilius/Folha Imagem
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Richard Serra junto a uma de suas "Rio Rounds", no Rio
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FERNANDO OLIVA
da Redação
RENATA AMATO
free-lance para a Folha
Uma das lembranças mais remotas de Richard Serra é a visão de
um navio-tanque suspenso por
um guincho, num estaleiro próximo à ponte Golden Gate, em San
Francisco. Diante do gigantismo
da estrutura de aço, o artista americano, aos 4 anos, entrava em
contato com o elemento que traçaria o rumo de sua obra: o peso.
Mas em "Rio Rounds", primeira exposição de Serra na América
Latina, que acontece no Rio até 15
de março de 98, o que se vê, ao menos de maneira tão explícita, não é
a violenta atração pela gravidade.
A mostra resume-se a dez círculos negros, de diâmetros diferentes, pintados nas paredes do Centro de Arte Hélio Oiticica. Sete deles distribuídos por cinco salas de
exposições, e três sobre cada um
dos arcos no hall de entrada.
Ao término da mostra, sete de
seus círculos negros serão apagados, mas aqueles três do hall podem "passar ao acervo" do museu, desde que Serra concorde.
Em Serra, a cor e os desenhos,
assim como o aço, possuem seu
peso específico. "O preto é uma
propriedade e não uma qualidade.
O preto é mais pesado, cria um volume maior, contém-se num campo mais comprimido", diz.
O força é então o seu sentido. E
sua metáfora. Em 1988, 45 anos depois da experiência infantil, já
consagrado, assinalava: "Tudo o
que escolhemos na vida por ser leve logo nos revela seu peso insustentável". Serra, optando pelo caminho mais difícil -para ele e para nós, espectadores-, elegeu o
aço matéria-prima de seu percurso, e o preto cobertura invariável
de suas esculturas monumentais.
Leia abaixo trechos da entrevista
concedida por Serra à Folha.
Folha - Por que círculos pretos?
Richard Serra - Diferentemente
de todas as grandes cidades que
conheci, a forma circular é predominante no Rio. Não são apenas
dez bolas pretas sobre paredes
brancas. Elas foram estudadas para criar uma tensão no espaço físico de forma que o
público perceba o
que está em volta.
Folha - A idéia é
criar um certo estranhamento para
que haja integração com o espaço?
Serra - Esse espaço foi organizado para valorizar
o desenho da arquitetura, mas
pode não funcionar com todo
mundo. Tem gente que vai dizer
que não entendeu
nada, que é uma
arte vazia.
Mas acredito
que até mesmo as
pessoas que não
gostarem, elas vão
olhar e olhar de
novo e se perguntar: o que está
acontecendo
aqui? Isso para
mim é um impacto da arte e já vale
a pena.
Folha - A sua
obra é uma forma
de evitar a comercialização da arte,
os marchands e a
propaganda?
Serra - Minha
arte não diz respeito à compra e à
venda. Só quero
que as pessoas entrem e vejam. A
comercialização
de peças para colecionadores não
me interessa.
Folha - Como o
sr. entende a relação entre esses
círculos e suas esculturas públicas?
Serra -O local sempre determina que tipo de trabalho eu vou fazer. Nas ruas, tento reorientar e
rearticular o espaço, concentrar a
atenção para um local, chamar as
pessoas para passarem perto da
obra ou até dentro dela. Fico feliz
por colocar um pouco de arte na
loucura do dia-a-dia.
Folha - O sr. acha que suas obras
podem interferir positivamente na
relação do homem com a cidade?
Serra - Minhas peças representam o pensamento que não existe.
Uma reflexão sobre o espaço que
não existe. Elas alertam para edificações e detalhes urbanos aos
quais antes as pessoas nem sequer
prestavam atenção. E a cidade fica
mais humana, mais artística. A
mistura de diferentes estilos de
obras nas ruas de uma cidade representa o tempo e a história que
aquele lugar já viveu.
Folha - O aço confere à escultura
essa sensação de permanência...
Serra - O aço é um produto artificial feito para durar. O tempo e a
memória ficam ali registrados.
Quero tratar o espaço como volume, substância, algo que tenha
permanência, que seja muito
grande. Eu mexo com o tempo, a
memória e a tridimensionalidade.
Mostra: Rio Rounds, de Richard Serra
Quando: ter a sex, das 12 às 20h; sab e
dom, das 11h às 17h; até 15 de março
Onde: Centro de Arte Hélio Oiticica (r. Luís
de Camões, 68, Rio), tel. 021/232-2213
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